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Bancos digitais disputam público infantil e adolescente

Publicado em: 16/12/2021

Cinco anos após se popularizarem entre jovens em busca de menos burocracia e mais modernidade, os bancos digitais começam a direcionar o olhar para outro grupo: crianças e adolescentes. Diversos lançamentos recentes começaram a surgir com foco em menores de idade no Brasil.

Só em 2020, surgiram no mercado o Yours Bank, a Yellow (pertencente ao C6 Bank), NextJoy (do banco Next) e a Conta Kids, do Banco Inter. Pouco antes, em 2019, foi lançada a Z1, conta digital para adolescentes que faz referência à geração Z (nascidos entre 1995 e 2010).

O serviço repete o atrativo de suas versões para adultos. Eles são práticos: é possível abrir uma conta apenas acessando o aplicativo e com o CPF em mãos —em alguns casos, até mesmo a certidão de nascimento basta. Em geral, não se cobra taxa: o lucro da operação é oriundo de negociações do banco com o dinheiro dos clientes. E todos agregam o mesmo atributo a suas marcas: a educação financeira.

A proposta de formação é um dos traços das fintechs brasileiras, que nasceram colocando-se como uma ferramenta amigável para quem quer aprender a mexer com dinheiro e investir. A chegada do mercado de menores de 18 anos engrossa esse caldo.

“Nós somos muito mais uma plataforma e educação financeira com serviços de banking do que uma plataforma de banking com serviços de educação financeira”, diz o diretor do banco digital Next Jeferson Honorato ao referir-se à conta para crianças e adolescentes NextJoy.

O produto é fruto de uma parceria com a Disney, e os icônicos personagens são uma opção para tornar a interface mais palatável para as crianças, que acessam um “robusto conteúdo de educação financeira”, segundo Honorato.

Por trás da plataforma há uma poupança que só opera com o dinheiro que está na conta. São permitidos saques e assinatura de serviços como Netflix, Uber ou Spotify. Em dezembro, o banco começa a liberar operações via Pix.

Além da limitação dos serviços disponíveis —empréstimos, por exemplo, são bloqueados—, as contas são mais lúdicas. No caso da recém-lançada Yellow, do C6 Bank, o nome da criança no cartão pode ser personalizado com apelidos, abreviações e até nomes de personagens.

Para dar segurança aos pais, todos os serviços com que a reportagem conversou oferecem algum tipo de conexão com a conta dos responsáveis, que variam de relatórios mensais a notificações a cada transação. “Se fosse uma conta que o pai simplesmente abrisse e desse ao adolescente, poderia haver uma relação de preocupação. Como tudo é espelhado, isso tem trazido um conforto muito grande”, afirma Honorato, do Next.

Ele explica que no final de novembro, 18% dos clientes tinham entre 0 e 5 anos —muitos pais abrem a conta assim que o filho nasce, para fazer uma poupança. A principal faixa etária da plataforma é aquele entre 13 e 16 anos: 31%.

O Yours Bank, lançado em março deste ano, é uma solução que não nasce de um banco digital. Por isso, opera por meio de uma API com o Bradesco, interface entre a conta e a instituição.

A fintech oferece recarga de celular e habilita funções para os pais como envio de mesada e criação de metas (comprar uma bicicleta, por exemplo). Para acessar a versão completa do aplicativo é preciso pagar uma taxa.

Considera-se três tipos de usuário para entrega de conteúdo. O mais interessado, chamado de heavy user, passa por três trilhas: como economizar, como ganhar mais e como investir.

Para o último item, há simulações com base em poupança, renda fixa e renda variada, esta última baseada no Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores brasileira. Ao ganhar ou perder dinheiro, o montante correspondente é debitado ou creditado na conta do responsável.

“Tem pai que não quer simular investimento porque acha que Bolsa de Valores é especulação de mercado. Tudo bem, a gente não oferece isso para aquele cliente. A nossa intenção é ser só uma ferramenta”, exemplifica o fundador da fintech, Felipe Diesel. Ele diz que a intenção é que o aplicativo seja o mais maleável possível para cada tipo de família.

Há conteúdo para os responsáveis pela criança também. A plataforma indica, por exemplo, não compor a mesada apenas com lazer. Mais de 80% dos usuários do aplicativo é da classe C e D. “Às vezes é o primeiro banco digital da família”, conta Diesel. Ele diz que a taxa foi uma boa surpresa.

“A proposta de valor faz mais sentido”, afirma. “Os filhos têm levado para casa discussões sobre finanças. O que é crédito, débito, como funciona um cartão, como é o orçamento da família, se estão ou não endividados.”

O recém-lançado Yellow, braço do C6 Bank, ainda está entregando os cartões na casa dos clientes. A ideia, porém, tem mais de um ano.

Nesse período, a empresa entrevistou mais de mil pais e cerca de 1.500 crianças e adolescentes. “Vimos que quanto mais os pais têm disciplina de investir, mais eles entendem a importância da educação financeira”, afirma Maxnaun Gutierrez, sócio do banco digital.

Apesar da proposta de educação financeira, há outro motivo para os bancos digitais investirem em crianças e adolescentes: a fidelização. “Quando estamos atendendo a família, temos uma vinculação maior com esses clientes”, diz Gutierrez.

Ao estudar o comportamento e os hábitos dos clientes, antropólogos e sociólogos do NextJoy perceberam um dado interessante sobre a relação do cliente com o banco em que iniciou sua vida financeira.

“Em média, 70% a 80% das pessoas não fecham ao longo da vida a conta da sua primeira instituição financeira. Existe uma questão sentimental envolvida ali. Ele até abre a conta em outro lugar, mas aquela conta ele não fecha”, diz o diretor do banco, Jeferson Honorato. Se a educação financeira oferecida pelo produto for exitosa, o banco terá um cliente mais consciente.

O aplicativo é ativo no processo de incorporá-lo: no dia em que o adolescente completa 18 anos, ele já recebe uma conta Next automaticamente.

A lei estabelece algumas regras para esse mercado. Não é permitido, por exemplo, negativar a conta de uma criança —nem mesmo simbolicamente, apenas no aplicativo.

“Os bancos podem disponibilizar uma interface que parece super independente, mas do ponto de visto jurídico você não consegue escapar dessa responsabilização que os pais têm no caso de menores”, afirma João Fernando Nascimento, membro da Comissão de Direito Bancário da OAB-SP (seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil).

Isso acontece porque perante o Código Civil, menores de 16 anos são considerados incapazes —portanto, quaisquer atos deles na vida civil são nulos. Adolescentes entre 16 e 18 anos, por sua vez, são relativamente incapazes e, por isso, precisam ser assistidos por seus representantes.

Dessa forma, perante a lei, ainda que também conste o CPF da criança nos serviços oferecidos pelas fintechs, quem abre afetivamente a conta e é considerado na relação jurídica são os responsáveis.

O conselho mais abrangente que a psicanalista Helena Castello teria para os pais que querem lançar mão da ferramenta é tentar construir com a criança o uso que ela vai fazer do aplicativo.

“Se os pais não dão conta de acompanhar, eles não deveriam permitir o acesso”, afirma. “Não tem problema nenhum dar liberdade para a criança explorar o mundo, mas os pais têm que ser curiosos sobre isso. Sentar para conversar na hora do jantar, entrar junto no aplicativo para saber o que a criança está entendendo daquilo, compartilhar com a escola e ver se ela pode dar alguma aula.”

Como qualquer nova ferramenta, diz ela, só é possível saber eventuais consequências no futuro. Demonizar o aplicativo não é o caminho.

“Em uma hipótese extrema, vamos pensar que estamos criando crianças viciadas em dinheiro. Mas a nossa sociedade já é expert em criar pessoas que só pensam em dinheiro, e os bancos vão se aproveitar disso. Então se o uso da conta for feito com acompanhamento, a criança tem a oportunidade de não entrar de gaiato nessa história”, afirma.

Fonte: Folha

 

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