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Brasiliense entra na Justiça dos EUA por R$ 550 milhões em títulos do BB

Publicado em: 28/08/2020

Insatisfeito com a demora e com o resultado das sentenças judiciais brasileiras, um brasiliense morador de Miami decidiu recorrer aos tribunais norte-americanos para tentar reaver títulos antigos de patrimônio da família, mas que acabaram incorporados ao espólio do Banco do Brasil.

A decisão do agente de mercado financeiro Rodolfo Coelho reforça um precedente perigoso para as instituições brasileiras que mantém sede oficial nos Estados Unidos, prerrogativa indispensável para a ação tramitar no Judiciário daquele país. O julgamento está marcado para novembro.

Atualmente com 51 anos, Coelho é a terceira geração de portadores das Letras Hipotecárias do Banco do Brasil, uma espécie de título de capitalização criado em 1957 e que a família aderiu como alternativa para poupar recursos financeiros de forma mais garantida.

O problema é que por meio de um despacho presidencial de 1982, todos os valores não resgatados dessa carta de crédito tiveram como destino o espólio da principal instituição financeira brasileira, onde foram incluídos como lucro.

Meio bilhão de reais

Quando ainda estavam em vigor, esses títulos eram isentos de quaisquer impostos locais, taxas ou contribuições federais e, ainda, caracterizavam-se como créditos ao portador, negociáveis em bolsa, nos valores extintos de CR$ 100, CR$ 200, CR$ 500,00, CR$ 1.000 e CR$ 5.000 (em cruzeiros, à época), podendo ser pagos por meio de cupons, em qualquer agência do banco, de seis em seis meses, em janeiro e julho de cada ano.

Contudo, a instituição não ressarciu parte dos titulares, como a própria família do investidor. Para se ter uma ideia, em valores calculados por advogados norte-americanos, o total de cartas de propriedade de Rodolfo, hoje, representaria uma fortuna de meio bilhão de reais, com juros, conversões e valorizações no mercado.

“Como uma instituição que se diz séria se apropria de valores que não são dela, e sim de investidores, com base em um documento interno, dizendo que o valor é um lucro do banco? É um verdadeiro absurdo! Se alguém reclamasse no Brasil, isso seria contabilizado como prejuízo ou mesmo fraude contábil”, indigna-se Coelho.

Investimentos

Com 31 anos de residência fixa nos Estados Unidos e a dupla nacionalidade garantida, o brasiliense que mantém familiares na capital federal decidiu, em 2018, levar o caso ao conhecimento dos magistrados norte-americanos e, desde então, aguarda com ansiedade o resultado definitivo. O primeiro foi desfavorável ao agente, mas não o fez desistir de tentar reaver os investimentos iniciados pelos avós.

“O Banco do Brasil alegava que os Estados Unidos não poderiam interferir nas decisões políticas da instituições financeiras porque poderia invadir a soberania nacional. Na primeira instância daqui, o juiz disse que seria adequado que eu tentasse primeiro cobrar no Brasil, contudo, a lei americana é clara e garante que, uma vez que o banco tem sede aqui, e só em Nova York está há mais de 25 anos, é passível de ações judiciais desse porte”, explica.

Coelho ainda cita o decreto criado para tratar dos títulos, de 1890 – portanto, logo após a proclamação da República –, onde registra que o Banco do Brasil jamais poderia negar-se a pagar os seus portadores. “Isso é, exceto se a letras forem falsas ou se não forem apresentadas para serem pagas. As Letras Hipotecárias do Banco do Brasil, de acordo com o artigo 318 do mesmo decreto, também não têm época fixa de pagamento, podendo o portador apresentá-las quando quiser receber o seu valor”, continua.

Para o agente do mercado financeiro, o dinheiro que os portadores desses títulos investiram tem característica de depósito popular, garantido por lei, não podendo ser atingido por prescrição ou apropriado indevidamente pela instituição que tinha e tem o dever de guardar dinheiro.

“Portanto, nunca, jamais, o Banco do Brasil poderia ter lançado os valores que recebeu dos investidores, agora portadores das letras, como lucro em seu balanço. No Brasil, exitem vários portadores que até hoje não foram restituídos. Os casos desse teor na Justiça brasileira estão parado há anos”, enfatiza.

O que diz o Banco do Brasil?

O Metrópoles tentou, durante semanas, contato com a advogada brasileira Daniela Fonseca Puggina, que defende o Banco do Brasil nos Estados Unidos pela banca Baker Mckenzie, uma das mais conceituadas daquele país. Após ter confirmado duas videoconferências com a reportagem, a defensora decidiu cancelá-las sem justificativa.

Já a assessoria de imprensa do Banco do Brasil informou que “a legislação brasileira considera prescritas, desde o ano de 1997, as letras hipotecárias a que faz referencia a Lei número 2.237, de 1954 – prescrição essa reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça. O Banco do Brasil informa que, atualmente, há uma única ação no exterior sobre o assunto e com sentença desfavorável para os detentores dos papéis prescritos.”

Letras hipotecárias

As Letras Hipotecárias da Carteira de Colonização do Banco do Brasil (LHBB) baseavam-se na captação de recursos populares, com o objetivo de financiar a colonização agrícola nacional. Foram instituídas pela Lei Federal de nº 2.237, de 19 de junho de 1954, durante o governo de Getúlio Vargas, e regulamentadas no mandato de Juscelino Kubitschek, por meio do Decreto nº 41.093/57.

No Brasil, várias ações sobre o acesso a esses títulos já foram extintas pela Justiça. Em um caso conhecido, um magistrado concluiu que os autores da ação deixaram prescrever o prazo de 20 anos para resgate e contestação judicial.

Na decisão, ele entendeu que o tempo para liquidação teria finalizado em 8 de março de 1977, no entanto, o Código Civil de 1916 (vigente à época) garantia que as partes poderiam acionar o Judiciário para o recebimento do crédito até março de 1997. Contudo, o ajuizamento da ação ocorreu no dia 31 de março de 2009, quando já decorridos mais de 12 anos do prazo prescricional.

Casos emblemáticos

A estratégia de cidadãos de origem estrangeira, mas com direito à cidadania, ingressarem em Cortes internacionais não é uma novidade. Historicamente, casos ganharam os holofotes mundiais quando interessados em ações polêmicas recorreram ao Judiciário do país de residência para tentar garantir direitos. Um dos episódios virou até enredo para as telinhas, no filme A Dama Dourada.

Imigrante austríaca nos Estados Unidos, Maria Altmann deixou a terra natal após a invasão nazista. Na época, o exército de Hitler entrou na casa de sua família para tirar objetos valiosos incluindo a obra Retrato de Adele Bloch-Bauer I (veja abaixo), uma pintura da tia de Maria, assinada por Gustav Klimt. Após a morte de todos os familiares, a austríaca descobriu que o quadro estava sob domínio da Galeria Belvedere, em Viena.

Ela ingressou no Judiciário estadunidense após descobrir que as leis de reconstituição de bens para vítimas do nazismo estavam sendo reformuladas e processou a Áustria, pelos Estados Unidos, devido à Lei de Imunidade de Soberania estrangeira norte-americana.

O caso foi até a Suprema Corte dos Estados Unidos, que considerou que a Lei de Imunidade de Soberania estrangeira poderia ser aplicada retroativamente. Com resultado da decisão do tribunal, ambas as partes concordaram em uma arbitragem em um tribunal austríaco, que, por sua vez, decidiu em favor de Altmann.

No caso do Brasil, empresas brasileiras como Petrobras e Bradesco também já tiveram de se defender nos tribunais norte-americanos.

Fonte: Metrópoles

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