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Seis das principais estatais têm possível débito trabalhista de R$ 43,8 bilhões

Publicado em: 19/07/2018

O julgamento de uma ação bilionária com ganho de causa para funcionários da Petrobras nas últimas semanas evidenciou a dimensão dos passivos trabalhistas que ameaçam as finanças das estatais. Levantamento feito pelo GLOBO com as seis principais empresas públicas do país — Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Eletrobras, Correios e BNDES — mostra débito possível de R$ 43,8 bilhões (dados do 1º trimestre de 2018). Desse montante, R$ 14,2 bilhões são considerados como “risco de perda provável”. Ou seja, são dados como praticamente perdidos e têm que ser provisionados dentro do balanço financeiro das empresas.

O débito possível representa 7,6% do total do patrimônio líquido (que exclui as dívidas e mostra a saúde financeira) dessas empresas. Por outro lado, só o passivo provável corresponde a quase todo o lucro que as estatais tiveram no primeiro trimestre deste ano, de R$ 14,9 bilhões. Isso significa que, apesar de deixarem provisionados em seus balanços os valores que consideram perdidos, qualquer surpresa nas decisões judiciais que não estão provisionadas pode representar um aperto no manejo financeiro dessas estatais. Em última instância, a situação pode prejudicar decisões de investimento e afetar a imagem de empresas perante investidores.

— Uma empresa com um passivo desses no balanço perde valor em Bolsa. O risco nesses casos é grande, porque a Justiça do Trabalho é protetiva (ao trabalhador) no sentido de que essas verbas discutidas são consideradas como de natureza elementar — diz a advogada Maria Lúcia Benhame, sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados.

Em empresas menores, a fragilidade é ainda maior e ameaça efetivamente o patrimônio das estatais. No Serpro, responsável pelo processamento de dados federais, dois acordos fechados com funcionários e uma decisão judicial a favor de um grupo de empregados, no fim do mês passado, geraram uma conta milionária para a empresa, de R$ 351 milhões. O número não só é bem maior que o lucro obtido pela estatal no trimestre, de R$ 73 milhões, como representa metade de todo o patrimônio líquido da empresa. Os acordos foram feitos para evitar prejuízo muito maior: a empresa calculava que, se perdesse esses processos integralmente na Justiça, a conta seria superior a R$ 1 bilhão.

Para os especialistas, os passivos altos refletem uma combinação de fatores, que vão desde falhas de gestão estratégica até a morosidade da Justiça no país, que leva processos a tramitarem por décadas e a atingirem cifras vultosas após correção monetária. No caso do Banco do Brasil, por exemplo, só a atualização monetária engordou o passivo provável em R$ 56 milhões no período de um ano. Nos Correios, o aumento foi de R$ 1,8 milhão apenas entre dezembro de 2017 e março de 2018.

O Globo

Os passivos trabalhistas são corrigidos pela Taxa Referencial e por juros (simples) de 1% ao mês. No caso do Serpro, um dos acordos, feito em processo que se alongava há quase 30 anos no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio, deu a dez empregados da empresa o direito de receber R$ 80 milhões, após todas as correções e juros referentes às três décadas. Eles foram demitidos em 1989 e pediam reintegração. Há casos em que um único empregado receberia R$ 25 milhões, conforme revelou o colunista do GLOBO Ascânio Seleme.

PETROBRAS E ELETROBRAS TÊM OS MAIORES PASSIVOS

O maior passivo é o da Petrobras, que tinha provisionados, até março, R$ 4,7 bilhões para perdas prováveis. O número é mais da metade do lucro da estatal no primeiro trimestre, de R$ 6,96 bilhões. Outros R$ 24 bilhões são questionados em ações judiciais, mas são considerados como “saída de recursos não provável ou para os quais não seja possível fazer uma estimativa suficientemente confiável do valor da obrigação”.

A principal dessas ações foi julgada há 15 dias pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que deu ganho de causa para os funcionários da Petrobras. O processo, que envolve um conjunto de ações coletivas movidas por trabalhadores de 15 estados, discute o cálculo de remunerações adicionais dos empregados da estatal e contempla 51 mil funcionários ativos e inativos da petroleira. Os sindicatos querem que adicionais, como periculosidade, fiquem de fora do cálculo da remuneração mínima e sejam pagos separadamente. Se não conseguir sucesso em seu recurso no Supremo Tribunal Federal (STF), a Petrobras poderá ter um impacto nas contas de R$ 17 bilhões: gastos de R$ 15,2 bilhões com salários retroativos e um aumento de R$ 2 bilhões na folha de pagamento a cada ano.

Um outro processo, movido pelo Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense contra a estatal, quer que a companhia pague como hora extra tudo que ultrapassar as 12 horas diárias de jornada aos trabalhadores embarcados nas plataformas e navios. A ação, que está no TST, quer também que a companhia seja obrigada a respeitar “intervalo interjornada” (período entre a saída do trabalho e sua volta ao serviço) de 11 horas. Ou seja, no dia em que o funcionário tiver que extrapolar sua jornada, terá de entrar mais tarde no dia seguinte. A Petrobras estima que esse processo lhe custará R$ 1,3 bilhão.

A Eletrobras tem o segundo maior passivo da lista, estimado em R$ 6,6 bilhões. Destes, R$ 2,2 bilhões são considerados como prováveis. Entre as ações sofridas pela empresa de energia está um processo movido pela Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) contra o presidente da empresa, Wilson Ferreira Júnior, após ele ter chamado de “vagabundos” e “safados” parte da chefia da empresa. A federação pede indenização equivalente a dez salários mínimos (R$ 9.540,00) para 23 mil trabalhadores, além de indenização por dano moral coletivo. A ação tramita em fase inicial.

A Caixa tem estimados R$ 4,5 bilhões provisionados para 63,9 mil processos trabalhistas. O Banco do Brasil e os Correios têm passivos de R$ 2,7 bilhões e R$ 992,8 milhões, respectivamente. E o BNDES, R$ 57,8 milhões, em 187 processos que envolvem o banco. A maior parte deles, 126, já está no TST. Mesmo que as empresas percam as ações, o pagamento dos passivos não deve se dar em única parcela. Ele costuma ser dividido em vários anos.

HORAS EXTRAS, O PRINCIPAL QUESTIONAMENTO

Entre as estatais analisadas pelo GLOBO, o principal motivo que leva os funcionários a entrarem na Justiça é o questionamento de horas extras. O advogado trabalhista Fernando Peluso, do escritório Peluso, Stüp e Guaritá Advogados, explica que as horas extras estão no topo das reclamações trabalhistas do país. E ressalta que, no caso dos bancos, é uma discussão sujeita a interpretações variadas, uma vez que há uma série de questionamentos sobre a jornada desse tipo de profissional:

— O empregado está executando as tarefas e, quando vê, passou. Além disso, casos de horas extras ficam mais comuns à medida que as empresas estão com quadros de empregados mais reduzidos. Nas instituições financeiras, existe ainda uma discussão jurídica ampla sobre o tamanho da jornada.

Também estão na lista de processos contra as estatais questionamentos sobre indenizações, complementação de aposentadoria, descaracterização de jornada de trabalho, adicional de gratificação de função, benefícios, participação nos lucros e responsabilidade subsidiária.

Para Maria Lúcia Benhame, há descuido por parte das empresas, tanto do setor privado quanto do público, na gestão estratégica de questões trabalhistas. Para ela, há pouca preocupação com uma atuação preventiva, para evitar que tantos casos parem na Justiça. A advogada explica que muitos dos problemas são resultado de acordos mal gerenciados.

— Faltam coisas básicas, como o cuidado de documentar ata de assembleia, votação e apuração — diz, completando: — O problema é uma má gestão diária e um total desprezo da área executiva das empresas em relação à área trabalhista. Ela é vista como uma área menor, que só traz despesa. Não se investe em informação, em construir uma expertise em negociação sindical, para que isso seja bem feito.

O advogado Domingos Fortunatto, sócio do escritório Mattos Filho, ressalta, no entanto, que há um esforço perceptível das estatais na busca de acordos e conciliações:

— Antes, ninguém dava atenção para isso. Agora, os números são grandes, e as empresas têm tomado cada vez mais cuidado. As empresas públicas têm liderado iniciativas para celebrar acordos. Existe uma conscientização para diminuir a litigiosidade.

A Caixa, por exemplo, está dando andamento a uma política de conciliação judicial e extrajudicial com o objetivo de diminuir os litígios e os valores:

“Visando reduzir o litígio judicial e diminuir os valores despendidos nos processos, a Caixa continua executando sua política de conciliação judicial e extrajudicial, realiza o cumprimento espontâneo de certas decisões judiciais e faz a análise das perdas incorridas a fim de mitigar novos litígios de causas semelhantes. Em virtude disto, as ações relevantes não são individualmente divulgadas para não inviabilizar a realização de acordos”, diz a empresa em seu demonstrativo financeiro.

Procuradas, as empresas se limitaram a reiterar as informações de seus balanços. O Tribunal de Contas da União (TCU) disse que não tem nenhum processo ou investigação relacionados aos passivos trabalhistas das estatais.

Fonte: Jornal O Globo

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