O Banco do Brasil (BB) terá que fazer um pedido de desculpas sobre o reconhecimento de participação no período escravocrata brasileiro. A decisão ocorreu após abertura de inquérito e reunião de representantes do BB e o Ministério Público Federal (MPF).
De acordo com a colunista Míriam Leitão, do O Globo, o prazo determinado para a manifestação do banco seria de 15 dias úteis, datados a partir da reunião, que ocorreu em 27 de outubro.
Na reunião foram discutidos o inquérito civil público, instaurado pelo próprio MPF, que visava a investigação da relação entre o Banco do Brasil e o tráfico de pessoas negras escravizadas no século XIX.
O inquérito foi motivado por documento subscrito por 15 professores e universitários oriundos de diversas universidades brasileiras e estrangeiras.
Ainda de acordo com Míriam Leitão, antes da reunião o banco divulgou uma nota em que disseram que “o período escravista precisa ser analisado de modo completo, com a devida consideração do contexto histórico, social, econômico, jurídico e cultural do período em que se desdobrou a escravidão”.
A nota foi criticada por historiadores presentes na reunião, em razão da concepção do banco sobre a escravidão.
Ficou acordado então na reunião o pedido de desculpa e apresentação de medidas que irão implementar, em curto prazo, de reconhecimento do papel do banco na escravidão e no tráfico de pessoas no período.
Além disso, devem se manifestar sobre o financiamento de pesquisas sobre esse passado e medidas que pretende acelerar com vistas a racializar completamente a forma de pensar a própria estrutura.
O que diz o Banco do Brasil
Posição do Banco a respeito do tráfico de pessoas negras escravizadas no século retrasado:
O BB destaca – com veemência – que lamenta profundamente esse infeliz capítulo da história da humanidade e da nossa sociedade, com efeitos de um triste legado até os dias atuais. A escravização por centenas de anos causou danos irreversíveis às pessoas escravizadas à época e aos seus descendentes; portanto é um momento da história que deve ser lembrado e discutido.
Neste sentido, cabe salientar que o Banco do Brasil valoriza o trabalho de historiadores e mantém um Museu aberto ao público, com seu Arquivo Histórico disponível para pesquisas, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, por acreditar na importância do estudo da história para, entre outros aspectos, a adoção de ações, no presente, voltadas à construção de um país democrático e pautado na justiça social. Assim, o Banco considera que os debates sobre a escravidão, para serem efetivos e ganharem a dimensão merecida, devem envolver toda a sociedade brasileira atual, devendo as instituições do presente compartilhar iniciativas que contribuam para a construção de um país com cada vez mais justiça social. Da mesma forma, é importante que se tenha uma leitura mais completa da realidade da época, com a devida consideração do contexto histórico, social, econômico, jurídico e cultural do período em que se desdobrou a escravidão.
Por exemplo, no prazo de apenas 20 dias úteis transcorridos desde o protocolo do ofício do MPF até hoje, foi possível verificar nos arquivos históricos do Museu do BB, aspectos a serem considerados em uma revisão histórica que venha a ser realizada, como a possível relação do Banco com sujeitos os mais diversos da sociedade do século retrasado, inclusive com abolicionistas de destaque no cenário nacional, que também podem ter sido integrantes de seu quadro de acionistas. Apenas na relação de acionistas de 1886, foram encontrados os seguintes abolicionistas, cujo posicionamento em relação à escravidão, é encontrado em fontes diversas, como o repositório de legislação do Senado, a Atlas – FGV e a Biblioteca digital do TSE: Rodrigo Augusto da Silva, autor da Lei Áurea; Affonso Pena; advogado, político. Presidente do Banco do Brasil e Presidente da República; José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco; Condessa de Barral, preceptora das princesas imperiais; Lafayette Rodrigues Pereira, primeiro-ministro do Brasil durante o 2º Império; e Tereza Cristina, Imperatriz do Brasil, a título de alguns exemplos. Tal constatação mostra-se relevante na busca da verdade e eventual revisão histórica a que se proceda, pois sugere que o “Terceiro” Banco do Brasil (termo utilizado na Representação do MPF e que remete ao BB fundado em 1853) refletiria, no seu quadro social da época e, muito provavelmente, no grupo de clientes tomadores de crédito, o espectro econômico e social de seu tempo histórico, isto é, a multiplicidade de atores e seus relacionamentos e posicionamentos acerca da escravidão, com todas as contradições e diversidade de pensamentos presentes naquele ecossistema.
Atualmente, o que cabe destacar é o compromisso com a diversidade que assume um papel central na estratégia do Banco do Brasil, que tem sido uma das empresas brasileiras que mais tem contribuído para o desenvolvimento social e econômico do país ao longo das últimas décadas, com acentuado destaque nesta gestão. Na história recente, vale pontuar que a atuação do BB vai além da legislação, na vanguarda do tratamento à diversidade, de forma voluntária, e promovendo o debate público sobre este tema, além de atuar em práticas concretas em prol da inclusão social.
Revisando a trajetória do BB como banco público, sociedade de economia mista, é possível perceber com nitidez a conciliação de sua visão comercial com sua visão social, caracterizada pela atuação em incontáveis momentos cruciais da economia brasileira, socorrendo diversos grupos de cidadãos e setores do mercado ao longo da história; listá-los exaustivamente poderia soar enfadonho. Mas listamos alguns exemplos recentes:
i)Entre inúmeras iniciativas do Banco relacionadas diretamente com a promoção da igualdade étnico-racial, recentemente (27.07.2023), o BB e o Ministério da Igualdade Racial celebraram um protocolo de intenções para combate e superação do racismo e promoção da diversidade e da equidade, onde se previu uma cooperação para fixar diretrizes e ampliar ações afirmativas de raça e gênero com inclusão e valorização das mulheres negras no país, a partir do fomento a ações de formação e capacitação de jovens negras e periféricas e ingresso de jovens negras no mercado de trabalho.
ii)Referido Protocolo também objetiva a evolução do empreendedorismo e fortalecimento de micro e pequenos negócios de mulheres negras; valorização de iniciativas e produções de mulheres negras, sobretudo relacionadas a projetos culturais; estímulo à ocupação equilibrada de espaços de liderança no BB, considerando o respeito à diversidade étnica e de gênero; e apoio mútuo e intercâmbio de experiências para ampliar as políticas afirmativas internas de raça e gênero no BB, trazendo perspectiva interseccional às iniciativas realizadas pela Empresa.
iii)Também em julho do presente ano, o Banco renovou a parceria iniciada em 2018 com a Universidade Zumbi dos Palmares, aderindo à Carta da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, movimento formado por empresas comprometidas com a promoção da inclusão racial e a superação do racismo no ambiente corporativo.
iv)Em agosto deste ano, o BB tornou-se embaixador de movimentos relevantes do Pacto Global da ONU no Brasil, relacionados à igualdade social, a gênero e a trabalho decente, com destaque para o movimento Raça é Prioridade.
v)O BB lançou novos compromissos públicos em sua pauta ASG, no Planejamento de Sustentabilidade do Banco – Agenda 30, dentre eles, destaque para a meta concreta de chegar a pelo menos 30% (trinta por cento) de pretos, pardos, indígenas e outras etnias sub-representadas em cargos de liderança até 2025. Destaque-se que ainda em março de 2023, o Banco do Brasil já alcançou a meta de 23% de pretos e pardos em cargos de gestão sênior previsto para 2025, motivo pelo qual a meta antiga foi revista para maior.
vi)O Programa Piloto de aceleração Raça é Prioridade, em fase de aprovação, tem o objetivo de identificar e desenvolver a aceleração de carreira dos funcionários de raças sub-representadas. Está previsto atingir público-alvo de até 150 pessoas negras que serão identificadas, desenvolvidas e aceleradas, podendo ser qualificadas e nomeadas prioritariamente, na existência de vagas, nas funções de gerencias em toda a transversalidade técnico-administrativa operacional, tática e estratégica do BB.
vii)Ainda neste ano de 2023, o Comitê Executivo de Pessoas e Cultura Organizacional, subordinado ao Conselho Diretor, passou a ser denominado Comitê Executivo de Pessoas, Equidade e Diversidade, com a inclusão de atribuições específicas relacionadas ao tema, fortalecendo a responsabilidade de acompanhar a evolução e disseminação da diversidade no BB.
viii)Como forma de acelerar as transformações, o BB reuniu em uma equipe matricial funcionários de diferentes áreas que atuam exclusivamente para integrar e endereçar soluções, desenvolvendo políticas, planos de ação, métricas e indicadores que devem nortear a atuação do BB no fomento de Diversidade, Equidade e Inclusão para o público interno, externo e nas relações com os fornecedores, para influenciar e criar impactos positivos em toda a sociedade.
ix)Ainda em 2023, o BB tem promovido inúmeros eventos sobre diversidade, em encontros dos Conselhos Consultivos que abordaram e abordarão temas sobre etnias, gênero, gerações, LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência e neurodivergências em todas as regiões do Brasil, avaliando boas práticas do BB e da sociedade, fomentando uma agenda em prol do tema.
x)Além de realização, ao longo de mais de três décadas, de projetos com investimento social pela Fundação Banco do Brasil e de projetos culturais itinerantes e também nas praças onde o BB mantém seus Centros Culturais Banco do Brasil (CCBB), levando para palcos e galerias numerosos eventos voltados à promoção da cultura negra, à discussão de temas relacionados à escravidão e à desigualdade étnico-racial. Isso se dá diante de uma atuação que observa, como critério estratégico de seleção de projetos, aqueles que reafirmem nossas origens e ancestralidade, suas narrativas e símbolos, o pensamento decolonial e os desafios de inclusão e acessibilidade, dentre outras questões, que ofereçam caminhos para compreender a construção contemporânea de identidade.
xi)Não bastassem essas iniciativas, no início de 2023, houve a posse da primeira mulher negra como presidenta do BB, Tarciana Medeiros, que nomeou três mulheres para as vice-presidências de Varejo, Negócios Digitais e Corporativa. Pela primeira vez na história o Banco do Brasil tem 45% de mulheres, 22% de pessoas autodeclaradas negras e dois membros autodeclarados do grupo LGBTQIAPN+ no Conselho Diretor.
xii)Além de um Conselho de Administração entre os mais diversos do mercado, o que confere, diante de demais ações concretas do Banco, o posto destacado no índice iDiversa da B3, por exemplo, por atuar como referência em diversidade em nossa sociedade contemporânea.
O Banco do Brasil fez, faz a fará muito pela diversidade e desenvolvimento não só social, como ambiental e econômico em nosso país.
Ainda assim, é necessário que exista um processo de reflexão permanente de toda a sociedade sobre o tema, já que restringir o debate de um tema dessa magnitude apenas a uma empresa bicentenária é reduzir o debate sobre potenciais boas práticas que podem ser construídas de forma articulada por toda a sociedade.
Por fim, para o Banco, não é a questão de existir qualquer conexão, ainda que indireta, entre suas atividades e escravizadores do século XIX, que define seu compromisso com o combate à desigualdade étnico-racial, mas o simples fato de ser uma instituição da atualidade, que, como as demais instituições públicas e privadas, desenvolve suas atividades no âmbito de uma sociedade que guarda resquícios da escravidão. O legado da escravatura convoca todos os atores sociais contemporâneos a agir para a promoção da igualdade étnico-racial, a contribuir por meio de ações concretas, como as que o Banco já desenvolve de modo pioneiro voluntário e destacado.
As percepções do Banco e a experiência no largo curso de suas iniciativas permitem afirmar que compromissos isolados sobre o tema, por melhores que sejam e que possam produzir efeitos reconhecidamente positivos no plano individual – como os decorrentes das práticas do BB hoje –, não têm o condão de efetivamente alterar o quadro de injustiça étnico-racial persistente na realidade brasileira na medida necessária: os desafios ultrapassam a realização de ações individuais ou artesanais; uma intervenção coordenada e integrada também é exigência estratégica de primeira ordem.
Nesse sentido, mostra-se imprescindível a mobilização coletiva, o envolvimento da sociedade, a exemplo do Estado, entidades e órgãos públicos vinculados às suas três funções, universidades e demais instituições públicas e privadas, sem o que o combate à desigualdade étnico-racial não alcançará as potencialidades de uma ação nacional coordenada.
O Banco ratifica sua disponibilidade para prestar esclarecimentos sobre o tema, além de participar de iniciativas que articulem os atores centrais da sociedade organizada para o desenho de estratégias e a execução de ações para potencializar e acelerar a produção de resultados concretos em prol da igualdade étnico-racial. O objetivo primordial do Banco do Brasil é continuar a contribuir de maneira voluntária e cada vez mais pronunciada, no quanto se mostrar necessário e nos limites das suas regras de governança, para a finalidade maior perseguida no inquérito civil, que é a busca da verdade histórica e da promoção da igualdade étnico-racial.
Banco do Brasil