Depois de turbinar o crédito para mulheres, o Banco do Brasil quer ir além e mudar a ótica da equidade de gênero dentro e fora de casa. O conglomerado estuda estabelecer uma meta de empréstimos para o público feminino, o chamado guidance no jargão do mercado. O movimento é inédito no Brasil e pode provocar outros bancos a fazerem o mesmo.
“Nós já fomos o primeiro banco a ter uma meta ASG, de carteira de crédito sustentável, e, talvez, sejamos o primeiro a ter um guidance de equidade de gênero. Estamos estudando”, antecipa a presidente do BB, Tarciana Medeiros, em entrevista exclusiva ao Broadcast , durante passagem por Nova York (EUA).
Atualmente, os grandes bancos não têm um guidance específico para a concessão de crédito para as mulheres no Brasil. A prática também não é vista no exterior. Alguns conglomerados financeiros nos Estados Unidos, por exemplo, estabelecem metas pontuais para aumentar a representatividade feminina seja na organização ou na economia, mas métricas que foquem na equidade de gênero ainda não são uma praxe.
No Brasil, o Banco Central (BC) consolida as informações de empréstimos por gênero em seu relatório de economia bancária anual. O mais recente apontou crescimento do crédito para o sexo feminino levemente superior ao masculino em 2023. Mas, proporcionalmente, os homens ainda respondem por um volume maior. O saldo de crédito pessoa física junto ao público masculino era de R$ 2,179 trilhões ao fim do ano passado contra R$ 1,342 trilhão daquele referente a mulheres, conforme o BC.
Parte desse impulso tem vindo do BB. Nos últimos 20 meses, o banco emprestou mais de R$ 100 bilhões para mulheres. Para chegar em um volume dessa proporção, o primeiro passo foi mudar a comunicação com a clientela, passando a falar com esse público de uma maneira diferente, direcionada. “Antes, nós falávamos a mesma coisa para todo mundo”, lembra a banqueira.
Na prática, o trabalho começou antes. Primeira mulher a presidir o BB em mais de dois séculos, Medeiros adotou ações para povoar a alta liderança de mulheres, antes dominada por homens. O passo seguinte foi aproximar o banco da clientela feminina. O foco foi dar uma espécie de caminho das pedras para as mulheres conseguirem obter crédito no BB. Detalhes sobre as linhas disponíveis para diferentes usos bem como o custo de cada modalidade foram parte desse tête-à-tête com as tomadoras.
“A comunicação dirigida para as mulheres fez toda a diferença”, reconhece Medeiros. Segundo ela, após a iniciativa, as agências do BB identificaram uma maior demanda pelo público feminino em busca de crédito. O banco, por sua vez, começa a construir uma base de dados mais profunda bem como o histórico financeiro das mulheres atendidas.
A partir disso, vira um “ciclo virtuoso”, e o BB sai do diagnóstico para o dado concreto, diz Medeiros. Ou para ‘acabativas’, como a banqueira gosta de se referir aos resultados entregues. “Eu vou começar a entender de fato e mostrar em números o nível de inadimplência de empresas dirigidas por mulheres e aquelas geridas por homens, o nível de emprego e renda de empresas de mulheres que empregam mulheres”.
No fim do ano passado, o saldo de crédito das microempreendedoras individuais (MEI) pessoa física bateu o recorde de R$ 55,5 bilhões, segundo dados do BC. Já nos negócios chefiados por homens o volume era superior, de mais de R$ 77 bilhões. Além disso, desde que a base do BC foi criada, em 2016, a discrepância de valores emprestados entre para MEIs dos sexos masculino e feminino praticamente dobrou de tamanho.
No BB, as mulheres já são a maioria das clientes, representam 51% de uma base de 85 milhões. “Ora, se eu tenho 85 milhões de clientes e boa parte da população economicamente ativa passa pelo banco, eu tenho condições de, a partir desses dados, ajudar o sistema financeiro nessa construção de novos modelos [que enxerguem as mulheres]”, diz a presidente do BB.
Mais do que criar pontes para o crédito chegar na ponta a um maior número de mulheres, a base de dados do BB pode ajudar a munir o BC e ajudá-lo a capitanear uma transformação na forma como os bancos no Brasil fazem a análise de risco em suas carteiras de crédito, considerando o público feminino, explica Medeiros. Atualmente, diz, o modelo roda com foco em empréstimos para os homens. Como a mulher entrou depois no mercado de trabalho, o seu histórico é mais recente, justifica.
“Ainda há divergência entre renda de homens e mulheres na mesma função. Então, a análise de crédito de um homem e de uma mulher com a mesma profissão, também acaba saindo diferente porque eu não tenho o histórico de pagamento dela”, alerta.
Medeiros estima que, no horizonte de 60 meses, por exemplo, o banco vai ter um melhor histórico sobre qual linha de crédito é mais adequada para determinado perfil de renda da clientela feminina. O objetivo é construir uma base de dados confiável, auditável, e que essas informações sirvam de subsídios também para outros produtos voltados às mulheres, afirma.
“As informações que nós temos catalogadas do mercado financeiro que levam em consideração a participação da mulher são muito recentes e não são aproveitadas”, diz Medeiros, reforçando o caminho aberto que ainda existe para ser percorrido pelo sistema financeiro rumo à equidade de gênero.