O Banco do Brasil (BBAS3), que se autoproclama o maior parceiro do agronegócio, enxerga no ano de 2025 um momento de ajuste para o setor e para instituição. A avaliação é de Alberto Martinhago Vieira, diretor de agronegócios e agricultura familiar do BB. Esse ajuste, segundo ele, vem após dois anos de margens reduzidas e quebras climáticas em várias regiões.
“É um ano de rebalanceamento da capacidade de pagamento dos produtores, de muita proximidade dos bancos para entender a situação do produtor, para não colocar todos eles numa caixa só. O grande desafio é não colocar todo mundo nessa caixa de crise do agro, porque ainda temos muitas oportunidades na mesa”, disse Vieira ao Money Times.
O BB conta com uma carteira de crédito de R$ 400 bilhões no agronegócio, que representa um terço do crédito do banco. O aumento da inadimplência no setor foi um dos fatores que afetou o balanço e as ações do BB ao longo de 2025 e levantou preocupações entre os investidores.
Os créditos em atraso de 90 dias do banco saíram da média histórica de 1% para algo entre 3% e 4%. No final de junho, a inadimplência no setor chegou a 3,49%, comparada a 1,32% no ano anterior.
Com isso, o BB reportou lucro líquido de R$ 3,8 bilhões no segundo trimestre deste ano, um tombo de 60% em relação ao mesmo período do ano passado. Além disso, o ROE (retorno sobre o patrimônio líquido) despencou 13 pontos percentuais, encerrando o trimestre a 8,4%.
As ações BBAS3 reagiram aos dados e, no acumulado do ano, têm perdas de cerca de 15%.
Impacto da resolução 4966 do BC
Uma das questões que impactou os dois últimos resultados do Banco do Brasil foi uma resolução do Banco Central (CMN 4966) que endureceu a forma de declarar perdas no balanço.
Na prática, as regras ficaram mais rígidas em relação às provisões para créditos duvidosos. Os bancos passaram a provisionar as perdas esperadas, e não mais as perdas que efetivamente ocorreram.
De abril a junho, por exemplo, as provisões para créditos duvidosos do BB chegaram a R$ 94,7 bilhões, salto de 50,6% ano a ano.
Vieira explica que a nova metodologia traz um agravamento mais rápido das provisões. “É como se as provisões subissem de elevador, e quando o produtor fica em dia com os pagamentos, ela demora mais para reduzir”.
Segundo analistas de mercado afirmaram após os resultados do 2T25, realmente a deterioração do Banco do Brasil veio de “elevador”, mas a recuperação deverá “subir de escada”.
Ajuda do governo com a MP da “salvação da lavoura”
De olho na situação difícil enfrentada pelo agronegócio, especialmente no BB, o governo anunciou, em meados de setembro, a Medida Provisória (MP) 1314. A medida garante renegociação de dívidas rurais em condições especiais e soma R$ 12 bilhões para apoiar até 100 mil produtores, principalmente pequenos e médios agricultores.
Na época do lançamento da MP, a presidente do BB, Tarciana Medeiros, estimou que o banco ficaria com cerca de metade dos recursos: “Temos mais ou menos 48 mil clientes inadimplentes no período entre 15 e 90 dias […] Estou fazendo a estimativa de [recebermos] metade dos valores”.
Vieira afirma que a medida beneficia o setor como um todo. “Mais do que para o Banco do Brasil, a MP é positiva para o setor, porque dá um fôlego para o produtor continuar na atividade. De maneira indireta, todo mundo ganha: o produtor, banco, fornecedores e cidades que dependem do agronegócio”.
O fôlego veio também para as ações BBAS3, que, após o anúncio, recuperaram parte relevante das perdas registradas no ano.
Recursos do Plano Safra
Para o Plano Safra 2025/2026, o governo federal anunciou um montante de R$ 516,2 bilhões, R$ 8 bilhões acima do ano anterior. Desse total, R$ 230 bilhões foram direcionados ao BB, valor 2% acima do ciclo anterior.
Dos recursos do BB, R$ 54 bilhões devem ir para pequenos e médios produtores e R$ 106 bilhões para a agricultura empresarial, que inclui grandes produtores, cooperativas e agroindústria. Os outros R$ 70 bilhões serão direcionados a títulos, como Cédula de Produtor Rural (CPR), e negócios da cadeia de valor do agro.
O ritmo de concessão de crédito, no entanto, está reduzido em relação ao ano passado. “Já atingimos algo em torno de R$ 50 bilhões [concedidos] no Plano Safra (contra R$ 81 bilhões de outubro de 2024)”, estimou Vieira.
“Estamos percebendo que o produtor está escolhendo o momento adequado para tomar seu endividamento e decidir sobre investimentos”.
Uso inadequado da recuperação judicial
O diretor do BB criticou o número alto de recuperações judiciais (RJ) que tem atingido o agronegócio nos últimos anos, avaliando que pode haver um uso inadequado do instrumento.
“Há um estímulo para os produtores procurarem uma RJ rural sem compreensão do que está por trás disso. Como se ele procurasse a RJ e fosse ter um perdão das dívidas”, afirma o executivo. “Da maneira que vem acontecendo, a RJ compromete a confiança na concessão de crédito”.
Os pedidos de RJ no agronegócio brasileiro atingiram números recordes no segundo trimestre, com aumento de 31,7% em relação ao ano passado, impulsionados por solicitações de produtores rurais que atuam como PJ (pessoa jurídica), de acordo com os dados mais recentes da Serasa Experian.
Ainda segundo a Serasa, a maioria dos requerentes de RJ foram produtores de soja e pecuaristas, entre os CNPJ, e arrendatários e pequenos e médios produtores, entre os CPF, além de empresas (agroindustriais) processadoras de açúcar, etanol, farelo e óleo de soja, além de laticínios.
O que levou ao momento atual?
Para o BB, assim como o Santander, o maior aperto financeiro do setor surge após o fim dos “dias de ouro”, que foram anos de margens melhores para o agronegócio. Com isso, muitos dos produtores, principalmente do setor empresarial de grande porte, se endividaram sem se preocupar com o que aconteceria quando as margens voltassem ao patamar normal.
“Não há um problema de margem, mas, sim, um cenário de normalização. Só que muitos fizeram contas de endividamento com base nas margens antigas, além de arrendar novas áreas, comprar novas terras e, muitas vezes, com dívidas travadas em produtividade. Tudo isso se somou a um cenário de Selic mais alta e eventos climáticos no Centro-Oeste e RS”, opina Vieira.
Na visão do executivo, durante os anos de melhores margens, houve uma oferta de crédito no agronegócio “como nunca antes”, um movimento bem diferente do que o setor estava habituado.
“Não adianta eu dobrar o crédito porque ele é um bom pagador. Alguns produtores, quando tiveram acesso a esse nível maior de crédito, acabaram pegando de duas a três vezes o crédito da safra e abriram novas áreas de arrendamento.”
O diretor afirma que os bancos não estão menosprezando o risco de calote no setor e diz que o risco de crédito sempre existiu. “Mesmo no melhor momento, eu tinha uma inadimplência. O banco trabalha sempre com risco de crédito. O que aconteceu é que muitas variáveis tomadas no momento da concessão foram rapidamente estressadas, o que fez com que a gente revesse estratégias”.
Para ele, muitos produtores vão conseguir, com a própria produção, reajustar seu fluxo de caixa e capacidade de pagamento. No entanto, o diretor do BB diz que alguns produtores vão precisar pensar em devolver áreas arrendadas e vender ativos.
“Temos produtores que estão numa situação financeira bastante delicada, mas que possuem uma situação econômica muito estável. São produtores com muitas terras, que, eventualmente, a partir de uma decisão de um pequeno passo para trás, conseguem acelerar essa reorganização da capacidade de pagamento”.