A temporada de balanços dos grandes bancos brasileiros relativa ao quarto trimestre de 2024 deve mostrar o que os analistas estão chamando de “os últimos raios do pôr do sol”. Isso quer dizer que os números de outubro a dezembro serão positivos, com lucro e carteira em alta e inadimplência estável. Entretanto, mais importante que o resultado em si será observar as projeções que serão feitas pelas instituições financeiras e o que seus principais executivos dirão a respeito de 2025 nas teleconferências. Com a taxa Selic em alta, o crédito deve perder fôlego em 2025 e as preocupações com a situação fiscal são uma grande nuvem no horizonte.
Juntos, Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil e Santander devem mostrar lucro de R$ 29,363 bilhões no quarto trimestre, o que representa alta de 1% em relação aos três meses imediatamente anteriores e de 22,7% frente ao mesmo período de 2023, de acordo com a média das projeções de dez casas colhidas pelo Valor. Em 2024 como um todo, o lucro deve somar R$ 112,4 bilhões, com expansão de 16%.
Em um relatório intitulado “Os últimos raios do pôr-do-sol”, o Itaú BBA diz que, apesar dos números positivos do quarto trimestre, o que vai importar mais é a visão dos bancos para este ano. Segundo os analistas, o lucro combinado dos quatro grandes ainda deve subir em torno de 10% em 2025, mas o crescimento deve ficar concentrado no primeiro semestre, e dar um “guidance” (projeção) para o ano inteiro será um desafio.
“Isso é uma tarefa desafiadora [dar o guidance], dado o cenário volátil e cada vez pior. Indicadores macroeconômicos piores (juros, inflação) aumentam os obstáculos ao crédito, o que tende a reduzir o apetite por novas concessões. Esperamos que isso se reflita nos comentários dos executivos e nos guidances, com uma perspectiva de crescimento moderado da carteira (abaixo de 10%) e margem financeira estável”, diz o Itaú BBA.
O Bradesco BBI também afirma que a atenção dos investidores estará voltada para o guidance de 2025 e chama atenção para a adoção do novo padrão contábil, baseado no IFRS 9, que pode afetar as provisões feitas pelas instituições financeiras. “Notavelmente, acreditamos que os bancos incorporarão um cenário macroeconômico mais desafiador para 2025, o que pode se traduzir em um crescimento mais lento da carteira neste ano. Além disso, como os bancos enfrentarão os impactos esperados do IFRS 9, acreditamos que alguns poderão ter maiores demandas por provisões em 2025.”
Na avaliação do Bank of America, a carteira de crédito dos grandes bancos deve crescer 9% neste ano, mas a expansão da margem financeira líquida deve superar esse ritmo, apoiada pela margem com clientes – por causa de juros mais altos – e parcialmente compensada por uma margem com mercado menor. “Também esperamos que a qualidade dos ativos se deteriore e que o custo do risco aumente. Por fim, acreditamos que as receitas de tarifas devem acompanhar o crescimento das despesas operacionais”, afirmam analistas do banco americano em relatório.
Para Bernardo Guttmann, chefe do setor financeiro da área de análise da XP, olhando apenas a “foto” dos números de crédito divulgados pelo Banco Central para dezembro, não há nenhuma sinal de desaceleração nas carteiras. Porém, segundo ele, as conversas com os executivos dos bancos nas últimas semanas mostram, sim, uma postura mais cautelosa. “Ficou bem claro que o sentimento dos bancos em relação à economia começa a se alinhar mais com o dos mercados financeiros, com a visão mais pessimista da Faria Lima”, afirma.
Para Guttmann, nenhum setor se destaca em termos de provável piora da inadimplência, com exceção do agronegócio, onde a expectativa é que o número de recuperações judiciais atinja um pico em fevereiro ou março.
A XP lembra que, além das provisões, o IFRS 9 também vai provocar uma série de reclassificações. Itens que antes eram contabilizados como receita de tarifas vão para a margem financeira, como é o caso da taxa cobrada pelos bancos para avaliação de imóvel quando é feito um financiamento habitacional. Por outro lado, alguns gastos contabilizados como despesa administrativa, a exemplo dos encargos com cobranças de dívidas, agora vão para a linha de provisões para devedores duvidosos. Já os gastos com correspondentes bancários, os “pastinhas”, antes eram pagos integralmente no início da operação, e agora serão diluídos ao longo do contrato. “Isso vai mudar algumas linhas do balanço e dificultar a comparação com períodos anteriores”, afirma o analista Matheus Guimarães.
Outro fator que pode ter algum efeito nos balanços dos bancos no quarto trimestre, especialmente nos de algumas instituições de médio porte, é o consignado para beneficiários do INSS. Instituições como Banco do Brasil, Itaú, Santander, Pan, BMG, Mercantil e Banrisul suspenderam, no fim do ano passado, a oferta dessa linha via correspondente bancário porque a operação ficou incompatível com os custos diante do teto de 1,66% ao mês nas taxas de juros.
Em janeiro, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) elevou o teto para 1,80%, nível que os bancos dizem que ainda não é suficiente. A Associação Brasileira de Bancos (ABBC) chegou a acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a competência do CNPS e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), vinculados ao Ministério da Previdência, para fixar o limite de juros.
Nas perspectivas para os bancos individualmente, a projeção dos analistas é que o Itaú deverá ter lucro recorde de R$ 10,831 bilhões no trimestre. Também é esperado que a instituição divulgue um dividendo extraordinário que pode chegar a quase R$ 20 bilhões.
Para os analistas da Genial, os destaques do Itaú no período devem ser expansão da carteira de crédito, acompanhando o ritmo dos trimestres anteriores e fechando com crescimento de 12,5%, no topo do guidance; aumento da margem financeira, embora em um ritmo menor que a carteira; e controle das despesas com provisões, refletindo estabilidade na qualidade dos ativos e inadimplência. “É o melhor do pelotão, com um ROE [retorno sobre o patrimônio líquido] de 23% em 2025”, dizem os analistas da casa.
O BB é o único que pode ter queda trimestral no lucro, embora pequena (-0,2%). Na visão do Citi, a margem financeira deve se mostrar resiliente, mas não se prevê uma reversão no momento complicado do agro. “Esperamos que a carteira cresça 11% em 2024, com as pressões persistentes sobre o provisionamento levemente aliviadas por resultados sólidos de tesouraria. Esperamos que a inadimplência do segmento de agronegócio permaneça alta quando comparada aos níveis históricos, embora a margem com clientes deva continuar avançando em um ritmo sólido.”
A previsão para o Bradesco é de continuidade em sua trajetória de recuperação, com o lucro saltando 84,5% ante o quarto trimestre de 2023, quando o balanço foi penalizado por maiores provisões e o banco passou por uma troca de comando (Marcelo Noronha substituiu Octavio de Lazari Jr. no cargo de CEO). Segundo analistas do Santander, a margem com clientes deve melhorar e a qualidade dos ativos, permanecer sob controle, mas a margem com mercado pode ser um fator negativo. Para eles, essa linha somará R$ 312 milhões no quarto trimestre, “devido à forte volatilidade da curva de juros e à falta de de instrumentos de hedge para amenizar esse impacto”. Com as projeções para a Selic em 2025, já há analistas vendo resultado zero para a margem com mercado do Bradesco neste ano.
Já o Santander deve registrar lucro de R$ 3,702 bilhões, com a margem financeira crescendo em linha com a carteira e a receita de tarifas novamente como um destaque positivo, em meio aos esforços do banco para engajar clientes e aumentar o “cross-sell” (vendas de mais produtos). “Enquanto isso, esperamos que as despesas operacionais cresçam em um nível semelhante ao do terceiro trimestre, mas abaixo da inflação em uma base anual. Também esperamos que a alíquota efetiva de imposto continue a aumentar, para 16%, embora ainda provavelmente abaixo de níveis sustentáveis”, afirma o Goldman Sachs.
O Nubank, que não faz parte da soma de resultados feito pelo Valor, deve ter lucro de aproximadamente US$ 565 milhões (cerca de R$ 3,2 bilhões no câmbio de sexta-feira). Para os analistas, o banco pode ser afetado pela variação cambial e os números do quarto trimestre serão um bom indicador sobre o apetite da fintech para este ano diante de um cenário macroeconômico mais difícil. “Vemos um 2025 desafiador para o Nubank. Os empréstimos sem garantia no Brasil podem desacelerar se as condições de crédito se deteriorarem devido à inflação e às taxas de juros mais altas, além da correlação com maiores índices de inadimplência. Embora o Nubank esteja ganhando participação de mercado em empréstimos garantidos, acreditamos que o retorno desses produtos para o banco ainda é pouco atraente”, diz o Citi.