Sem aviso, um cartão Elo chegou na casa do comediante Guilherme Soares, em São Paulo. Soares, que atua em stand-up comedy com o nome artístico Gui Preto, tentou incorporar o plástico à sua rotina. Sem sucesso: os comerciantes da vizinhança não trabalhavam com cartões dessa bandeira. Soares resolveu usar a dificuldade como material de trabalho. Publicado nas redes sociais, o vídeo humorístico de dois minutos que ironizava a “Elofobia, que mata as pessoas de vergonha no caixa”, foi amplamente compartilhado. O sucesso foi tanto que o departamento de comunicação da Elo convidou Soares para uma conversa, para explicar as vantagens do cartão. Ao fim do papo, ao sair do suntuoso escritório na zona sul de São Paulo, Soares decidiu fazer uma traquinagem.
Ligou seu celular e perguntou se o caixa do estacionamento do prédio aceitava Elo. A resposta negativa rendeu risadas, mas não outro vídeo. “Não quis me indispor com a empresa, que me tratou muito bem”, diz Soares. No que depender de Eduardo Chedid, CEO da Elo, episódios como esse – que, para ele e para os demais executivos, não têm graça nenhuma – serão coisa do passado. Após seis anos no mercado, a bandeira que foi lançada em conjunto por Banco do Brasil e Bradesco, e posteriormente teve a adesão da Caixa Econômica Federal, prepara-se para um novo salto. Originalmente voltada para os clientes de renda mais baixa e dedicada aos cartões de débito, a Elo agora quer tornar-se mais parecida com Visa e MasterCard, as gigantes internacionais que dominam o mercado brasileiro.
Para isso, a Elo está adotando uma estratégia baseada em dois pilares. O primeiro é diversificar a base de emissores, hoje restrita aos bancos que a controlam. A partir do dia 6 de novembro, a Elo passará a embandeirar alguns dos cartões da Lojas Pernambucanas. Segundo informações da varejista, por sua rede de 312 lojas, localizadas em sete estados brasileiros, passam 180 milhões de clientes por ano. “Pela primeira vez, vamos emitir cartões com um emissor que não é ligado aos controladores”, diz Chedid. Ele afirma que a meta é emitir 800 mil cartões com a bandeira Elo até o fim deste ano. Procurada, a varejista não falou com a DINHEIRO. O segundo pilar da nova estratégia de expansão é centrar forças em um cartão corporativo. Lançado discretamente há cerca de um ano, o cartão Grafite Corporate passou para o topo da lista de prioridades. A meta é capturar uma fatia maior das transações entre empresas.
Iniciativas como essas vão criar massa crítica para romper a barreira de entrada da Elo entre as bandeiras. O mercado brasileiro é dominado pelas gigantes internacionais, Visa e MasterCard. Juntas, elas capturam pouco mais de 82% do cerca de R$ 1,2 trilhão de transações processadas por cartões de débito e de crédito todos os anos no mercado brasileiro. O restante é dividido por bandeiras menores. Algumas internacionais, como American Express e Diner’s. Outras locais, como a Elo, que afirma ter 12% desse mercado.
No universo dos cartões, o grosso das receitas – que são calculadas como um percentual das transações capturadas – fica com dois grupos de empresas. O principal são os emissores dos cartões, em geral bancos ou redes de varejo. Em seguida vêm as empresas de adquirência. Nomes como Cielo, Rede e GetNet, que operam as maquininhas que repousam sobre os balcões do comércio Brasil afora. As bandeiras são responsáveis pela gestão da marca, por definir estratégias macro e negociar programas de aceitação e recompensa. Por ser uma função mais estratégica e de menor massa, sua parte dessa montanha de dinheiro é de apenas 0,2% do total. No entanto, no Brasil, isso representa um faturamento anual respeitável, de R$ 2 bilhões.
A Elo quer uma fatia desse bolo. Para isso, o desafio de Chedid é tornar seu cartão mais aceito. O principal obstáculo é explicado por um raciocínio circular. “Quanto mais comerciantes aceitarem o cartão, mais clientes estarão dispostos a ter um plástico com a bandeira, e quanto mais clientes tiverem o cartão, mais varejistas o aceitarão”, diz ele. A dificuldade enfrentada pelo comediante Soares decorre da participação da Elo no mercado de bandeiras ainda ser menor do que a das concorrentes internacionais. Para um varejista, integrar uma nova bandeira à sua rotina custa dinheiro, dá trabalho e toma tempo.
Todos recursos escassos. Se perceber que está perdendo uma quantidade razoável de vendas por não aceitar um cartão, o varejista ficará muito mais propenso a instalar os sistemas da Elo em seus terminais. Daí o sentido em trazer para o negócio um parceiro como a Pernambucanas, capaz de agregar uma grande quantidade de portadores de cartão de uma só vez. Pensando nisso, a companhia passou os últimos dois anos refazendo todos os seus sistemas. O investimento, não revelado, chegou às centenas de milhões de reais. “Gastamos 600 mil horas de programação para refazer tudo”, diz Chedid. Ele garante que, agora, os sistemas estão muito mais flexíveis para costurar parcerias.
Esse novo jogo garante a vitória para a Elo? Essa resposta vai depender do comportamento dos consumidores e do varejo. “A bandeira, no Brasil, é menos importante que as condições oferecidas pelo emissor”, diz o consultor Boanerges Freire, especialista no mercado de cartões. Segundo ele, uma bandeira local, como a Elo, terá dificuldade em concorrer com as gigantes internacionais, que podem não apenas mobilizar recursos, mas também costurar parcerias internacionais. “No fim do dia, o que vai definir a escolha do consumidor é se o cartão é aceito”, diz ele.
Fonte: Isto É Dinheiro