Em setembro de 2021, o Banco Central (BC) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicaram um conjunto de normas para instituições financeiras em relação à agenda ESG. Em resumo, ampliaram exigências que já existiam e reforçaram regras para divulgação de informações e mapeamento de riscos com um enfoque maior e mais detalhado para as questões climáticas.
Passa a ser pedida, por exemplo, a realização de teste de estresse climático para avaliar hipóteses de mudanças de clima e de transição para uma economia de baixo carbono. Entre as novas regras está a divulgação anual do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas, chamado de relatório GRSAC, obrigatório a partir de 2023.
A nova regulamentação foi dividida em duas fases: na primeira, de 2021, requer-se que os bancos publiquem informações qualitativas (governança, estratégias e gestão de riscos). Na segunda fase, prevista para sair ainda neste ano, serão detalhados os requerimentos de divulgação das informações quantitativas, como metas e métricas.
Algumas normas, como a Resolução CMN 4.945 – que determina a elaboração da chamada Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC) – e a Resolução CMN 4.943 – que trata da gestão de riscos das instituições – entram em vigor neste mês. Já a Resolução BCB 139 – com as regras para o Relatório GRSAC – passa a valer em dezembro.
Segundo Marcelo Pasquini, líder de sustentabilidade do Bradesco, como o banco já vinha com discussões em relação ao clima, tem sido “natural” adotar as recomendações do BC. Agora, está rodando três pilotos para a mensuração de riscos climáticos físicos e de transição e a agregação deles aos demais riscos. Um dos principais desafios, diz, está nas análises de cenários a partir dos testes de estresse climático, que são de muito longo prazo e não são, geralmente, feitos de forma tão detalhada para o Brasil.
Em 2019, o Bradesco fez o primeiro estudo de emissões de gases efeito-estufa de sua carteira de crédito, com foco em setores como agropecuária, imobiliário e veículos. Em 2020, foi o primeiro do setor no Brasil a aderir à Partnership for Carbon Accounting Financials (PCAF), parceria global entre instituições financeiras para desenvolver e implementar padrões de mensuração e divulgação de emissões associadas a empréstimos e investimentos.
Com base na metodologia da PCAF, o banco publicou pela primeira vez em 2020, o cálculo das emissões financiadas, com classificação setorial em sua base de dados. No ano passado, a cobertura foi de 92% da carteira de crédito pessoa jurídica (PJ), conforme informações do relatório integrado de 2021. Foram identificados os setores mais emissores e os que podem ter maior transformação. O trabalho também foi feito para emissões de investimentos da gestora, a Bram, para renda fixa corporativa e renda variável.
Com o objetivo de descarbonizar seu portfólio até 2050, no ano passado, o banco aderiu ao Net-Zero Banking Alliance, aliança que reúne 113 bancos de mais de 40 países – lista que inclui também Santander e Itaú. Também definiu a meta de direcionar R$ 250 bilhões, até 2025, para financiar setores e ativos de impacto socioambiental positivo. Até março deste ano, 43% do volume total já haviam sido destinados para negócios sustentáveis.
No pilar cidadania financeira, o Bradesco assinou, em maio, um compromisso com a saúde e inclusão financeira, no âmbito dos Princípios de Responsabilidade Bancária (PRB), vinculado ao programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-FI). O prazo para assumir metas públicas em relação ao tema é de 18 meses.
O Santander é outro ‘bancão’ que está se mexendo há um tempo para se adequar às novas exigências da economia verde. Desde 2020, a instituição passou a incluir em suas avaliações socioambientais a exposição dos clientes ao estresse hídrico e sua dependência desse recurso, por meio de uma ferramenta própria que considera três aspectos: qualidade dos processos de gestão da água; vulnerabilidade da atividade econômica; e a região onde o negócio está.
Christopher Wells, superintendente executivo de risco socioambiental do Santander, diz que o banco realiza cerca de 2 mil análises socioambientais, por ano, incluindo negócios com operações na Amazônia, produtores de soja e processadores de carne bovina. Para Wells, as normas do Banco Central trazem desafios, e um dos maiores é o acesso a dados e fontes de informação. “E se chover pouco nos próximos três anos, como ficaria a geração de energia hidrelétrica, por exemplo? É um cenário hipotético. Não existe nenhum modelo de ‘think thank’ ou órgão de governo para ajudar os bancos e as empresas”, analisa o executivo.
Na temática social, existe também uma dificuldade em relação a dados. “Tem lista para [empresas que utilizam] trabalho escravo, mas não tem para outros temas, como trabalho infantil ou assédio. Então, o que fizemos? Modernizamos o questionário enviado para os clientes”, conta Maria Silvia Zanardi, superintendente de risco socioambiental do Santander.
O ABC Brasil acaba de publicar seu primeiro relatório de sustentabilidade que inclui análise setorial da carteira de crédito. “Conseguimos ter uma estratificação de como a carteira está dividida e sua taxonomia”, aponta Antonio Ferrari, líder de sustentabilidade e risco socioambiental do banco. “Temos uma carteira em torno de 23% focada no agronegócio que, por si só, é inerente a riscos climáticos.” Ele conta que montou um time multidisciplinar socioambiental para entender quais ajustes de sistemas e bases de dados terão de ser feitos.
O executivo cita, ainda, que o ABC fez em 2021 o inventário de suas emissões de gases efeito-estufa, referente a 2020. Este ano, vai mapear as emissões financiadas, para divulgá-las em 2023. O banco prevê implementar diretrizes para setores mais expostos a questões climáticas. “Não estamos falando em proibição. Não é excluir, e sim trazer para o jogo e entender como podemos ajudar os clientes.”
Em resposta ao Prática ESG, o BC diz não ter recebido dúvidas, pois muitas questões referentes às novas regras já foram esclarecidas durante a consulta pública.
Fonte: Valor Investe