A atuação dos bancos federais brasileiros não deve ser muito distinta a partir de 2023 se a eleição presidencial for vencida por Jair Bolsonaro ou Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo que defendam orientações políticas divergentes, dizem especialistas do setor financeiro.
Na visão deles, embora hoje não digam isso na campanha, o que vencer nas urnas vai encarar um cenário que exigirá de BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica uma postura mais ativa em algumas atividades do que têm feito recentemente, como em empréstimos a pequenas e médias empresas e investimentos em alguns projetos de infraestrutura, mas não em larga escala como no passado, como fizeram gestões petistas.
“Pode ter algum diferença pontual, mas não enxergo uma diferença acentuada na gestão dos bancos controlados pelo governo federal”, disse o presidente no Brasil de uma grande gestora de recursos norte-americana.
A visão majoritária dos executivos é de que limitações no orçamento da União, ajustes na governança dos próprios bancos e o maior escrutínio de órgãos de controle, como do Tribunal de Contas da União (TCU), devem impedir injeção de recursos na magnitude ocorrida na última década, no caso de vitória de Lula.
Dos cerca de 500 bilhões de reais injetados nos governos petistas no três bancos, eles têm um saldo conjunto de cerca de 150 bilhões de reais para devolver, em valores corrigidos, segundo dados divulgados pelas próprias instituições.
“Tem pouco espaço para capitalizar bancos como no passado, o espaço fiscal é limitado”, disse o consultor e ex-economista-chefe da Febraban, Roberto Troster.
Sob condição de anonimato, dois atuais e dois ex-executivos de bancos federais afirmaram à Reuters partilhar dessa visão.
“O modelo de subsídios tem impacto fiscal e reduz a capacidade do Banco Central segurar a inflação e fazer a política monetária”, disse uma fonte próxima ao BNDES.
Alguns membros da equipe responsável pela elaboração do programa econômico de Lula admitem que a volta da prática de injetar dinheiro público no capital bancos é pouco provável.
“Não está prevista transferência do Tesouro (para os bancos)”, disse Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda nos governos Lula e Dilma e presidente do BNDES sob Lula.
Para um executivo do setor privado e ex-vice-presidente do BB, há hoje um entendimento nas áreas técnicas dos bancos controlados pelo governo de que a política de fomentar “campeões nacionais”, com empréstimos maiores a grandes conglomerados, trouxe práticas contra-indicadas pela boa administração bancária, porque concentrou os riscos num pequeno número de clientes.
Entre outros fatores, falhas na contabilização de perdas com algumas dessas operações deixaram os balanços de Caixa e BNDES com ressalvas de auditores independentes por anos.
“Há também a visão de que o cenário atual é diferente do de uma década atrás, as prioridades mudaram”, disse essa fonte sob condição de anonimato porque não é autorizado a falar publicamente sobre o tema. “Um foco atual é aumentar o crédito para empresa média e pequena, uma missão não concluída no país.”
É uma visão partilhada por membros da campanha de Lula e por expoentes do governo Bolsonaro, tanto pelo aspecto técnico quanto pelo político, como manifestado recentemente pelo presidente do BNDES, Gustavo Montezano.
“Em vez de dar 10 bilhões de reais para empresas grandes, dar 1 bilhão para empresas pequenas é mais desenvolvimento social, mais desenvolvimento econômico, e mais voto no final do dia”, disse Montezano durante evento do BTG Pactual.
De alguma forma, isso já vem sendo feito pelos bancos, mais como resultado dos efeitos da Covid-19 do que de planejamento. O Pronampe, programa de auxílio a pequenas e médias empresas criado durante a pandemia, já liberou cerca de 80 bilhões de reais nas duas fases do programa, o que tem despertado planos de expansão de linhas de crédito para esse público.
“Os bancos públicos precisam alcançar áreas mal cobertas pelo setor privado, como financiamento a pequenas empresas”, disse Guilherme Mello, da equipe do programa econômico do Lula.
Embora BB e Caixa tenham sido os principais repassadores de recursos, o Pronampe teve também a participação dos grandes bancos privados, outra tendência que executivos do mercado avaliam que deve se estender para quaisquer políticas que o governo que emergir das urnas em outubro deve perseguir.
O ex-executivo do BB citou exemplos de linhas que antes eram altamente concentradas em bancos estatais, como agronegócio com o BB e o crédito imobiliário com a Caixa, mas têm atraído maior interesse de concorrentes privados.
Em outra frente, Guilherme Mello, um dos economistas responsáveis pela elaboração do programa econômico do Lula, também mostra-se contrário ao uso de bancos federais para fazer o custo do crédito cair em todo o sistema, como feito durante o segundo mandato do próprio ex-presidente, em 2018.
“A agenda da redução do custo de crédito é muito maior do que isso”, afirmou ele.
MAIS BANCO PÚBLICO EM INFRAESTRUTURA
Por outro lado, tem crescido a pressão para que bancos federais exerçam um papel mais ativo, hoje mais capitalizados, diretamente em nichos nos quais há pouco ou nenhum interesse do capital privado, como em projetos em infraestrutura, e isso tende a ser absorvidos mesmo com Bolsonaro reeleito.
De maneira geral, profissionais do mercado avaliam que houve melhora de modelo nos últimos anos, com o BNDES atuando mais como um estruturador de projetos em vez de usar recursos próprios subsidiados, como fez até meados da década passada.
“A participação do BNDES como financiador seria um passo atrás”, disse Karin Yamauti Hatanaka, sócia na área de Infraestrutura do escritório de advocacia TozziniFreire. “Isso fazia os projetos ficarem artificialmente viáveis”.
Por outro lado, mesmo profissionais e entidades privados têm cobrado que o BNDES use capital próprio em segmentos para os quais há pouco ou nenhum interesse do capital privado, como concessões de presídios e alguns projetos de escolas, iluminação pública, algumas rodovias, entre outros.
“Não tinha mundo perfeito nem antes nem agora”, disse o diretor de Infraestutura no Banco Fator, Ewerton Henriques. “É importante não voltar para o modelo anterior, mas há setores em que a participação dele é importante”, disse. “Vamos precisar fazer um meio a meio”.
O banco de fomento fechou 2021 com rentabilidade superior inclusive em relação aos bancos privados, refletindo em parte o ciclo de desinvestimento em ações detidas pela BNDESPar, que desde 2018 já lhe rendeu quase 80 bilhões de reais.
Segundo o ex-ministro Mantega, nesses casos, o BNDES tem que voltar a financiar projetos de longo prazo que não sejam financiados pelo mercado ou pelos bancos privados. “Os empresários do setor estão demandando isso”, afirmou.
De fato, essa visão foi manifestada pelo diretor da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) e ex-secretário do Tesouro Nacional, Roberto Guimarães, para quem ainda há “hiatos de investimentos” em setores como transportes, saneamento básico e mobilidade urbana.
Entre interlocutores ligados à atual gestão do BNDES parece também haver esse entendimento. “Linhas especificas podem ter, sim, subsídios como mobilidade urbana”, disse uma fonte. “Tem que ser pontual e direcionado”.
Fonte: IstoÉ Dinheiro