Por Marcelo Rodrigues de Farias, gerente de divisão de Análise de Crédito da BB DTVM.
O mercado de títulos de crédito privado experimentou um movimento sem precedentes nos últimos meses: após um longo período de estiagem entre 2015 e 2016, começamos o ano de 2017 com a retomada das emissões corporativas, marcada pela forte demanda. Emissões de ativos de boa qualidade chegaram a ter demanda superior a seis vezes a oferta, com consequente fechamento de spreads.
Analisando as curvas de crédito de debêntures da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), as taxas indicativas de emissões com prazo médio de três anos nos melhores ratings reduziram cerca de 50 pontos-base em relação ao DI, somente nos seis primeiros meses do ano. Já nas escalas menores de rating, num período de 12 meses, chegamos a um fechamento de mais de 150 pontos-base, além da redução do DI observada nesse período.
É bem verdade que os mercados buscam antecipar movimentos e na esteira da melhora das premissas macroeconômicas era de se esperar uma redução nos spreads, contudo uma parte desse movimento se explica pelo excesso de liquidez dos fundos de Investimento .
Vários são os fatores que explicam esse excesso de liquidez: comparando dezembro de 2014 com maio de 2017, o patrimônio líquido da indústria de fundos cresceu 36%, enquanto o estoque de crédito privado caiu em termos nominais no mesmo período. Durante o momento de recessão econômica e recrudescimento do risco, os grandes bancos, tradicionais emissores de letras financeiras, que historicamente respondem por 60% do estoque de crédito privado da indústria de fundos, chamaram liquidez e reduziram significativamente o volume de emissões. Houve também a forte concorrência das LCA e LCI, que retiraram das assets parte do foco de captação dos bancos.
Os emissores corporativos, diante de elevados spreads e da aversão total ao risco de crédito , deixaram de emitir ou recorreram ao crédito bancário como única alternativa para rolagem em cenários de stress. Com excesso de liquidez nas tesourarias, as taxas das letras financeiras foram às mínimas possíveis, e as poucas emissões corporativas que vieram a mercado tiveram prazos menores e taxas elevadas.
Como consequência, a indústria de fundos apresenta hoje os níveis mais baixos de crédito privado na composição do patrimônio líquido, além de muitos vencimentos concentrados no curto prazo. Soma-se a isso as perspectivas concretas de inflação comportada e um ciclo duradouro da Selic abaixo de dois dígitos, o que potencializa o interesse dos Gestores em avançar a alocação no crédito privado para cumprir os mandatos em busca de rentabilidade.
Mas apesar das melhorias observadas no cenário macro, em termos microeconômicos os sinais de recuperação ainda inspiram cautela e há evidências de que o risco de crédito ainda se encontra em patamares não tão confortáveis.
Há um número maior de empresas com ratings com perspectiva de “downgrades” do que de “upgrades”. Em termos de indicadores, a alavancagem medida pela relação dívida líquida/Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) das companhias ainda é elevada e os índices de liquidez, por sua vez, também são baixos em níveis históricos, com elevado volume de dívidas no curto prazo. A geração de caixa para a cobertura do serviço da dívida também é baixa. Em outras palavras, ainda demora um tempo para que as melhorias macroeconômicas se reflitam em aumento do faturamento e melhoria de margens, para que então os indicadores de crédito se estabilizem, com a retomada dos investimentos, ao final.
Ao observarmos os guidances de crédito de pessoa jurídica, verificamos que apontam para uma retomada ainda lenta do apetite ao crédito privado, sem contar a pressão por reduzir a exposição ao risco de crédito para fortalecer a estrutura de capital por conta das regras de Basileia 3. E como que num rescaldo de 2016, grandes corporações retornam ao mercado buscando a renegociação de dívidas e a flexibilização de “covenants” (cláusulas financeiras) que não serão atingidos.
Com a recuperação econômica e a redução das taxas de juros, as empresas naturalmente voltam ao mercado para alongar seu perfil de endividamento. O crescimento do PIB também destrava a retomada das captações destinadas a investimentos. O menor apetite dos bancos na liberação de financiamentos, notadamente às empresas que tenham perfil para se alavancar no Mercado de capitais , traz de volta à indústria de fundos o papel de importância que a mesma deve ter em um mercado financeiro evoluído. O crédito privado volta a ser o caminho natural para a manutenção da rentabilidade adequada dos fundos.
O investidor racional precisa estar atento aos sinais de recuperação e poderá contar com a ajuda de Gestores profissionais para realizar uma análise eficiente do crédito , sem cair em armadilhas do “grande demais para quebrar”. Recomenda-se que esta retomada seja feita com cautela, que seja dada atenção especial ao reforço nas estruturas e garantias e, antes de tudo, que seja adequada à relação entre risco e retorno de cada operação.
Fonte: Assessoria de Imprensa do BB