Enquanto os holofotes da mídia estão focados nos milhares de brasileiros mortos pelo coronavírus, na Assembleia Legislativa de São Paulo tramita o lesivo PL 250/2020. De autoria dos deputados Paulo Fiorilo e José Américo, ambos do PT, esse projeto de lei traz mudanças profundas nas transmissões por herança, tais como alíquota progressiva do ITCMD (4% a 8%), elevação da base de cálculo dos imóveis para o valor de mercado, revogação da isenção tributária da renúncia à herança (e demais isenções previstas no artigo 5º da Lei 10.705/2000). Por fim, impõe a tributação da já deficitária previdência complementar. Vamos à análise das mudanças.
1) Alíquotas progressivas — de 4% a 8%
O PL muda as faixas de tributação do Imposto de Transmissão Causa Mortis por herança, legado e também nas doações, de forma progressiva. Considerando-se o valor da Ufesp vigente, de R$ 27,61, temos:
Imposto de Transmissão Causa Mortis:
Até 10.000 (R$ 276.100,00) = isento
De 10.000 a 30.000 (R$ 276.000,01 a 828.300,00) = 4%
De 30.000 a 50.000 (R$ 828.300,01 a 1.380.500,00) = 5%
De 50.000 a 70.000 (R$ 1.380.500,01 a 1.932.700,00) = 6%
De 70.000 a 90.000 (R$ 1.932.700,01 a 2.484.900,00) = 7%
Acima de 90.000 (R$ 2.484.900,01) = 8%
Imposto sobre Doações:
Até 2.500 (R$ 69.025,00) = isento
De 2.500 a 15.000 (R$ 69.025,00 a 414.150,00) = 4%
De 15.000 a 50.000 (R$ 414.150,01 a 1.380.500,00) = 5%
De 50.000 a 70.000 (R$ 1.380.500,01 a 1.932.700,00) = 6%
De 70.000 a 90.000 (R$ 1.932.700,01 a 2.484.900,00) = 7%
Acima de 90.000 (R$ 2.484.900,01) = 8%
2) Elevação da a base de cálculo dos imóveis para valor de mercado
O PL 250/2020 eleva a base de cálculo da herança para o valor de mercado, modificando o artigo 13 da Lei 10.705/2000. Esse aumento traria um efeito cascata porque aumentaria o imposto de transmissão, o valor da escritura pública (partilha extrajudicial) ou das custas (partilha judicial) e também do registro da partilha na matrícula do imóvel.
O Estado de São Paulo já aumentou a base de cálculo com a instituição do “valor de referência” (atualizado até a data da morte do autor da herança). Muitos imóveis têm várias partilhas pendentes porque os herdeiros também foram morrendo e a família não dispõe de recursos para pagar o inventário. A regularização desses imóveis para vender, exige escritura de inventário conjunto de até oito partilhas sucessivas. Se o Estado de São Paulo aumentar a base de cálculo, vai agravar ainda mais a situação.
3) Tributação da renúncia simples à herança
O PL 250/2020 propõe a revogação do artigo 5º da Lei 10.705/2000, onerando o herdeiro renunciante. A renúncia simples não é tributada porque não existe transmissão, uma vez que a herança é transmitida a todos os herdeiros pelo princípio da saisine, mas de forma indivisa. O ato de renúncia pura e simples ao quinhão, feita por um herdeiro em benefício dos demais, opera efeito ex tunc, ou seja, retroage seus efeitos à data da abertura da sucessão, como se esse herdeiro nunca tivesse existido.
Ora, se não há transmissão da fração ideal da herança para esse herdeiro, não faz sentido tributar. Os atos notariais e registrais confirmam a inexistência de transmissão na renúncia simples porque as custas e emolumentos são calculados sem valor declarado (Enunciado nº 8 CNB/SP). Só há incidência de imposto de transmissão quando o herdeiro aceita sua fração ideal e depois a transfere — renúncia translativa.
4) Incompetência do Estado para legislar em matéria de previdência
O PL 250/2020 ousou ao instituir a tributação causa mortis na previdência complementar, com a introdução do inciso IX no artigo 8º da Lei nº 10.705:
“IX — As entidades de previdência complementar, públicas ou privadas, e as sociedades seguradoras, na hipótese de transmissão de valores e direitos relativos a planos de previdência complementar, tais como Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) ou Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL)”.
Essa pretensão de tributar não procede porque a Lei Estadual nº 10.705, em seu artigo 6º, letra “e”, isenta de tributação os Institutos de Seguridade Social e previdência, oficiais ou privados. Como o texto do PL 250/2020 é impreciso e dá margem a interpretação dúbia, é imperioso estabelecer a distinção entre essas duas espécies de previdência. Vejamos as distinções.
A previdência complementar é fechada e tem vínculo empregatício. Ela vincula o empregado e o empregador, e ambos efetuam depósitos destinados a complementar a aposentadoria mês a mês, para ser usufruída junto com a aposentadoria paga pelo INSS. São exemplos dessa espécie a Previ e seu patrocinador, Banco do Brasil, a Petros e sua patrocinadora, Petrobrás.
A previdência privada é aberta e não tem vínculo empregatício, logo não tem a figura do patrocinador e é contratada livremente pelo cidadão através dos bancos. As contribuições são feitas só pelo cidadão e o valor acumulado pode ser resgatado a qualquer tempo. Não tem natureza complementar, é um investimento.
A pretensão de tributar a previdência complementar é inviável por duas razões. Primeiro porque quando o trabalhador morre não existe um montante a ser transmitido aos herdeiros, isso porque a complementação de aposentadoria se converte em complementação de pensão e é paga (mês a mês) ao cônjuge sobrevivo e aos filhos menores. Segundo porque a maior parte dos fundos de pensão têm déficits bilionários, que já chegaram a R$ 77,6 bilhões de reais em 2017. Os aposentados já estão sobrecarregados com perdas de até 74,69% da complementação, como ocorrido nos fundos Petros (Petrobrás) e Economus (do ex-banco Nossa Caixa, hoje incorporado pelo Banco do Brasil). As perdas causadas pelo Economus são brutais porque esse fundo teve um redutor etário extremamente lesivo e um déficit bilionário.
É inviável também a tributação da previdência privada (PGBL e VGBL), porque com a crise, os rendimentos estão baixíssimos. Antes, ela já teve rendimento negativo e o Superior Tribunal de Justiça determinou que as perdas fossem limitadas ao valor aplicado, ou seja, rendimento zero (AgRg no Resp 1393953/RS, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013, Dje 03/2/2014).
Ademais, o Estado não tem competência para legislar sobre os fundos de pensão da iniciativa privada nem das estatais federais como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras. A competência concorrente em matéria previdenciária (inciso XII do artigo 24 da CF) abrange apenas os servidores estaduais, não alcançando os trabalhadores da iniciativa privada nem os das estatais federais. Seria inviável tributar de forma diferenciada os trabalhadores paulistas dessas estatais federais.
A justificativa, segundo os autores do projeto de lei, seria aumentar a arrecadação para a saúde e educação por causa da pandemia de coronavírus, elevando de R$ 3,154 bilhões em 2019 para R$ 6 bilhões em 2020. Também não procede porque não existe essa vinculação.
Já enviamos manifestação contra o citado PL, pedindo inclusive a realização de audiência pública, mas é preciso que as associações e instituições também participem, enviando ofícios, justificando cada item contestado.