Bradesco, Banco do Brasil e Sompo decidiram sair do consórcio da Seguradora Líder, responsável por gerir o seguro DPVAT, o seguro obrigatório para indenizar vítimas de acidentes de trânsito. Os pedidos de desligamento ocorrem pouco mais de um mês depois que o Ministério Público Federal pediu bloqueio de R$ 4,4 bilhões da empresa, a quem acusa de leniência com fraudes na obtenção de seguros e maquiagem nas projeções de sinistros.
Na sexta-feira (25), a Porto Seguro comunicou ao mercado a sua saída do consórcio. Considerando as fatias acionárias das empresas que pediram desligamento, a Seguradora Líder perderá sócios que representam mais de 25% de seu capital.
Por meio de duas subsidiárias, Bradesco Auto/RE e Atlântica Companhia de Seguros, o Bradesco tem 7,7% das ações do consórcio. A Brasil Seg, do Banco do Brasil, é dona de outros 4,6%, e a Sompo, de 2,4%. A Porto Seguro era a maior acionista, com 11% divididos entre três subsidiárias.
Procuradas pela reportagem, Bradesco Seguros, Brasil Seg e Sompo ainda não comentaram o assunto. O acordo de acionistas da Seguradora Líder, formado em 2006, prevê a possibilidade de desligamentos a cada ano. Ao fim de 2019, a Líder tinha 56 acionistas.
A Seguradora Líder diz que a entrada e saída das seguradoras do consórcio está prevista no acordo de acionistas e não prejudica a operação do seguro DPVAT.
O seguro DPVAT foi tema de uma série de reportagens do jornal Folha de S.Paulo em 2020, que mostraram denúncias de mau uso do dinheiro arrecadado –com a compra, por exemplo, de veículos e garrafas de vinho– e de conflitos de interesse e favorecimento de sindicatos de corretores.
No pedido de bloqueio feito no início de agosto, o Ministério Público Federal acusou o consórcio de gerir recursos públicos federais “de forma temerária, danosa e em vilipêndio aos princípios constitucionais de economicidade, transparência e legalidade”.
Como recebe 2% do total arrecadado pelo seguro, dizem os procuradores, o lucro de seus associados é proporcional ao valor do prêmio pago pelos segurados. Assim, diz a Procuradoria, não havia incentivos para combater fraudes nem cortar despesas.
“O incremento das despesas do Consórcio de Seguradoras, em vez de refletir de forma negativa na margem de lucros das seguradoras Consorciadas, provoca um aumento dessa margem de lucros”, explicam os procuradores.
O pedido, negado em primeira decisão sobre o caso, do juiz Mauro Luiz Rocha Lopes, do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, é parte de uma série de questionamentos ao consórcio iniciada na Operação Tempo de Despertar, em 2015.
A operação investigou fraudes na concessão dos seguros. O consórcio é questionado também pelo sindicato dos trabalhadores da Susep (Superintendência de Seguros Privados), que vê repasses irregulares a sindicatos de corretores e conflito de interesses na gestão do órgão regulador.
Durante anos, o comando da Susep foi capturado por seguradoras e corretores de seguros, que mantiveram representantes na diretoria da autarquia.
A entidade voltou a ser cobiçada por lideranças sindicais ligadas aos corretores após a aproximação do presidente Jair Bolsonaro com o centrão, como o presidente do Solidariedade de Goiás, Armando Vergílio, que é um dos alvos da denúncia do SindSusep no período em que presidiu a autarquia.
Bolsonaro tentou extinguir o seguro DPVAT em 2019, mas a medida gerou polêmica e foi derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Atualmente, a própria Líder passou a defender o fim do monopólio na gestão do seguro obrigatório.
“Reiteramos que nada muda para o cidadão: motoristas, passageiros e pedestres continuam protegidos. E a Seguradora Líder permanece comprometida em atender com eficiência todas as vítimas de acidente de trânsito do Brasil”, disse, na nota distribuída na sexta, a Líder.
Em entrevista à Folha de S.Paulo após as primeiras reportagens, o presidente da companhia, Ismar Torres, defendeu que a gestão atual reforçou medidas de controle e de combate às fraudes na concessão do seguro, seguindo recomendações de auditoria encomendada para esse fim.