Maílson da Nóbrega aborda a privatização do BB em artigo

Publicado em: 17/07/2019

Em abril, o Banco do Brasil sofreu uma interferência inusitada. O presidente Jair Bolsonaro vetou propaganda que exibia a interação de diversas pessoas, clientes potenciais, com o mundo virtual. Além de causar perda financeira, sacrificou o objetivo de influir no segmento dos jovens, que cresce velozmente.

“Quem indica e nomeia o presidente do Banco do Brasil, não sou eu? Não precisa falar mais nada, então”, declarou Bolsonaro, numa interpretação canhestra de seu poder. A lei veda esse tipo de intromissão nas empresas estatais. A intervenção realçou quanto o BB perde por ser controlado pelo governo. Hoje, nada, a não ser visões obsoletas e anticapitalistas, justifica que ele seja parte do Estado.

A criação do Banco do Brasil, após a chegada da família real ao país (1808), inspirou-se no modelo do Banco da Inglaterra, então controlado por capitais privados e com poder de emissão baseado em um lastro. Destinava-se a suprir de moedas a praça do Rio de Janeiro, em rápida expansão na época. O BB faliu quando dom João VI retornou a Portugal e subtraiu o lastro em ouro da colônia.

A segunda versão (1853) nasceu da junção do BB do barão de Mauá com o Banco Comercial do Rio de Janeiro. A terceira e atual (1905) surgiu de fusões em meio a uma crise bancária, quando o controle foi transferido para o governo. O Banco do Brasil virou empresa estatal.

O período glorioso iniciou-se com a carteira de redescontos (1921), que permitiu a negociação de seus próprios créditos. A partir dos anos 1930 surgiram a carteira de crédito agrícola e industrial e a de comércio exterior. Até a criação do Banco Central (1964), o BB exerceu funções que caberiam ao BC nas áreas cambial, de fiscalização bancária e de depósitos compulsórios dos bancos.

O ápice desse processo ocorreu entre 1965 e 1986. O BB expandiu vigorosamente o crédito, mediante saques ilimitados na “conta de movimento” do Banco Central, a qual era insustentável e, assim, foi extinta depois de 21 anos. Foi então autorizado a exercer todas as funções de um banco comercial. Superou o desafio de sobreviver na nova realidade. Reestruturou-se, formou quadros de alto nível, investiu em tecnologia e criou subsidiárias para atuar no mercado financeiro e de capitais. Tornou-se competitivo.

O BB perdeu os benefícios da “conta de movimento”, mas manteve o ônus de ser estatal. Tem sede em Brasília (o que não faz sentido), muda frequentemente de administração e submete-­se à fiscalização do Tribunal de Contas, bem como às complexas e limitantes regras de concorrência pública. Está, enfim, sujeito a normas que limitam a capacidade de remunerar adequadamente seus talentos, e assim por diante. Tudo isso impõe custos inexistentes nos pares do mercado financeiro, inibindo o seu desenvolvimento e a necessidade de constante modernização.

O Banco do Brasil teria muitos benefícios se fosse privatizado. Seria maior e melhor. Infelizmente, a maioria da sociedade e de políticos ultrapassados continua prisioneira de visões de antanho. Uma pena. (Artigo publicado na Veja de autoria do ex-ministro Maílson da Nóbrega)

Fonte: Veja

Bolsonaro erra: o BB não usa dinheiro público

Publicado em: 08/05/2019

Maílson da Nóbrega*

Ao contrário do que disse e tem reiterado o presidente Jair Bolsonaro, o Banco do Brasil não usa recursos públicos nem dos trabalhadores. Ele adota essa visão equivocada para justificar a interferência no BB ao suspender a veiculação de um comercial em que o banco buscava conquistar clientes entre os jovens. Como se sabe, essa ação presidencial é proibida pela lei das estatais.

Hoje, em sua conta no Twitter, o presidente voltou ao assunto, assinalando que “qualquer empresa privada tem liberdade para promover valores e ideologias que bem entendem. O público decide o que faz. O que não pode ser permitido é o uso do dinheiro dos trabalhadores para isso. Não é censura, é respeito com a população brasileira”.

Para exercer suas funções, o BB se vale essencialmente de recursos que capta nos mercados locais e internacionais, não recorrendo ao Tesouro para conceder crédito e exercer atividades correlatas. Nos casos em que é agente do governo para programas especiais, como os dedicados a produtores de baixa renda, a atividade pode também ser exercida por outras instituições financeiras, inclusive as privadas.

O BB não se encaixa, pois, na definição de “estatal dependente do Tesouro”, como é o caso de empresas públicas. Esse é, por exemplo, o caso da Embrapa, que por não ter fins lucrativos costuma ser financiada com recursos públicos.

*É economista e ex-ministro da Fazenda.

Fonte: Blog Veja

Salim Mattar precisa repensar o “emagrecimento” do BB, diz ex-ministro Maílson da Nóbrega

Publicado em: 06/02/2019

Maílson da Nóbrega*

O jornal Valor mencionou um “descompasso” nos discursos do secretário de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar, e o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes. O primeiro declarou que permanecerão estatais a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, mas “muito magrinhas”. O segundo afirmou que o banco não se desfaria das “joias da coroa”, o que inclui particularmente os cartões de crédito.

Creio que prevalecerá a opinião de Novaes. De fato, o banco se tornou o principal emissor de cartões de crédito graças à sua extensa rede de agências em todo o território nacional. A venda da área dessa área dificilmente seria atrativa sem a ligação com o BB. É preciso considerar, além disso, as razões pelas quais essa área foi criada.

O BB deteve, durante anos, o acesso automático a recursos no Banco Central, via “conta de movimento”. Por isso, suas atividades se limitavam basicamente ao crédito. O BB não seguiu a estratégia de conglomeração dos grandes bancos brasileiros, pois não precisava competir com eles por recursos e clientes.

Com o fim da “conta de movimento” em 1986 e já que não seria possível cogitar da extinção do BB, restou ao governo a alternativa de autorizá-lo a atuar em todas as áreas do sistema financeiro. O BB foi capitalizado para livrar-se do efeito de “esqueletos” dos velhos tempos e para dispor de uma estrutura de capital consentânea com a nova realidade.

O BB modernizou-se, reduziu seu quadro de pessoal, promoveu uma reestruturação interna, investiu na formação de quadros qualificados e se lançou à criação de subsidiárias para competir à altura com seus concorrentes. Foi uma revolução que transformou radicalmente o velho Banco do Brasil.

Ora, vender suas subsidiárias lucrativas, como a dos cartões de crédito, seria um contrassenso, pois a perda de rentabilidade poderia reduzir a capacidade do BB de prestar serviços ao governo, principalmente na área de crédito rural.

Chegará o dia da privatização do BB, mas isso não ocorrerá em futuro previsível. Seu “emagrecimento” neste momento teria o efeito negativo adicional de reduzir sua atratividade para o setor privado.

A soma das partes do BB é maior do que o seu todo. Por isso, é provável que Mattar venha a ter que refazer sua declaração quanto ao “emagrecimento” do banco.

Fonte: Blog de Maílson da Nóbrega em Veja.com

Novo presidente do BB começou mal, afirma ex-ministro Maílson da Nóbrega

Publicado em: 29/11/2018

Rubem Novaes, o novo presidente do Banco do Brasil, é um economista com várias passagens pelo governo federal, inclusive como diretor do BNDES. Tem excelente trajetória acadêmica, que culminou com o doutorado na Universidade de Chicago.

Novaes tem credenciais para bem exercer o novo cargo, mas começou mal. A exemplo do que tem ocorrido na atual transição, ele parece ter falado antes de pensar. Prometeu, seguindo orientação do próximo superministro da Economia, que iria enxugar o BB e privatizar partes de sua estrutura. Estaria na lista a área de cartões de crédito.

Trata-se de uma medida sem sentido. A área de cartões de crédito do BB é uma das mais lucrativas da instituição. O banco é o maior emissor desse produto, êxito que está intimamente associado à sua imagem. Nada disso aconteceria sem o balcão do banco, isto é, a sua capacidade de venda. Privatizar isoladamente essa área tem tudo para diminuir o seu valor.

O BB criou muitas áreas de negócios depois que perdeu a “conta de movimento” em 1986, pela qual era suprido automaticamente de recursos e a custo baixo pelo Banco Central. O BB se preparou para ser viável no mercado financeiro e foi para tanto autorizado pelo governo a atuar em todas as áreas do sistema financeiro.

Daí a modernização de sua estrutura, a redução de pessoal e de agências e a criação das áreas de previdência privada, seguros, capitalização, gestão de recursos e outras. Foram essas áreas que permitiram ao BB tornar-se razoavelmente competitivo. É assim que ele atua em atividades menos rentáveis ou onerosas, como as do crédito rural e da prestação de serviços ao governo.

Ao mesmo tempo, a conglomeração do BB foi a consequência lógica da construção de sua capacidade de concorrer com os bancos privados de rede, que dispõem das mesmas áreas. A privatização dos negócios rentáveis reduzirá mais do que proporcionalmente o valor de mercado do banco. A soma de suas partes produz um valor maior do que o todo. O BB perderá rentabilidade e competitividade.

Em algum momento, quando a sociedade se convencer de que a privatização integral do BB é o meio de fortalecê-lo ainda mais, como ocorreu nos casos da Vale, da Embraer e de outras empresas estatais, terá chegado a hora de transferir o seu controle para o setor privado. Antes disso, adotar o plano de Novaes é contribuir para a perda de valor da instituição, em detrimento do Tesouro e dos acionistas minoritários.

A rigor, se levado adiante o plano, com suas negativas consequências, caberia acusar o governo de abuso do controlador. Como se sabe, ao controlador cumpre agir para agregar valor à empresa, nunca para diminuí-lo.

Espera-se que Novaes, ao se familiarizar com as atividades do banco e com as responsabilidades do Tesouro, possa meditar melhor sobre sua ideia.

Fonte: Blog do economista Maílson da Nóbrega

Por um outro Banco do Brasil

Publicado em: 05/01/2018

Maílson da Nóbrega*

O Banco do Brasil é a estatal mais emblemática do país. Nasceu em 1808 como banco privado para emitir moeda, uma necessidade criada pela chegada da família real ao Brasil e pela abertura dos portos.

O primeiro BB quebrou em 1829. Emitiu mais do que o lastro. Segundo Pandiá Calógeras, por erros atribuíveis “quase que exclusivamente ao governo, por causa dos empréstimos dispensáveis que solicitara, ou melhor, impusera”.

O segundo BB surgiu em 1853 focado em crédito. Nasceu da fusão do Banco do Brasil — criado pelo barão de Mauá em 1851 — com o Banco Comercial. Manteve-se sob o controle privado.

O terceiro resultou da fusão do segundo BB com o Banco da República do Brasil, em 1905. Com a Carteira de Redescontos, criada por lei de 1920, descontava seus empréstimos nele mesmo, algo inédito. Começava sua grande ascensão, sob o controle crescente do governo.

A Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (lei de 1937) seria sua principal marca. Novas funções, inclusive de banco central, lhe foram atribuídas: o monopólio do câmbio, o controle e o financiamento do comércio exterior, a fiscalização bancária e a de depositário de recursos dos bancos.

Na lei que criou o Banco Central (BC, de 1964), o BB constou como o principal instrumento da política de crédito oficial via Orçamento Monetário, uma estimativa dos balanços anuais do BC e do BB.

Nasceu a “conta de movimento”, que supriria automaticamente o BB de recursos pelo BC, permitindo-lhe conceder “empréstimos sem limite”. Nos anos 1970, o BB virou o oitavo banco do mundo, mais pela forma de expandir seus empréstimos do que pelo porte da economia.

O BC atuava como banco de desenvolvimento, em esquema similar ao do BB, e geria a dívida pública. Um departamento do BB executava o Orçamento da União.

Nos anos 1980, fortes pressões inflacionárias tornaram a situação insustentável. Entre 1983 e 1984, estudos da Fazenda preconizavam abolir a “conta de movimento”, as atividades de desenvolvimento do BC e o Orçamento Monetário. Sugeriam a criação da Secretaria do Tesouro Nacional, para que esta assumisse as funções fiscais do BC e do BB.

As medidas foram aprovadas entre 1986 e 1988. O BB foi autorizado a atuar como qualquer outra instituição financeira. Malograram os temores de que ele não venceria os desafios.

Em 1995, o BB iniciou sua transformação. Diversificou operações, sofisticou a base tecnológica e ganhou eficiência. Arca, ainda, com o ônus de ser estatal. Tem sede em Brasília. Muda frequentemente a administração e a estratégia. Sofre o custo da fiscalização do Tribunal de Contas da União e da subordinação à Lei de Licitações.

A saída é a privatização. O BB está pronto. Poderá premiar funcionários por geração de negócios e produtividade, como ocorre em bancos privados. Livre do jugo do governo, aumentará a competição no mercado bancário e ampliará o papel de apoio ao desenvolvimento do país.

Surgirá um banco mais competitivo. O quarto Banco do Brasil da história será mais forte e promissor.

*É economista e ex-ministro da Fazenda no governo do presidente José Sarney

Fonte: Veja