Privatizar BB afetaria crédito e reduziria concorrência, dizem analistas

Publicado em: 04/06/2020

Vender a “p…” do Banco do Brasil, como deseja o ministro da Economia, Paulo Guedes, enfrenta tantos desafios que consultores e profissionais de mercado descartam um cenário em que a instituição financeira controlada pelo governo federal seja privatizada na atual gestão Bolsonaro. Os obstáculos começam na forte resistência política e terminam em uma questão crucial: quem compraria o segundo maior banco do país por ativos?

A resistência política parte de sindicatos de bancários, partidos de oposição e especialistas em sistemas bancários que enxergam no Banco do Brasil um elemento importante para o governo fazer políticas de crédito, em especial em momentos de crise econômica. Já encontrar um comprador é um desafio porque significa atrair investimento em momento de pandemia global. E ainda evitar o risco de que o novo dono do BB se torne muito forte, afetando a livre concorrência no mercado brasileiro.

Risco da concentração bancária

Gestores e economistas ouvidos pelo UOL lembram que o mercado bancário brasileiro já é bastante concentrado. Os cinco maiores bancos do país – por ordem de ativos, Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Caixa, Bradesco e Santander – já concentram perto de 90% dos clientes e mais de 80% da carteira de crédito.

Se um dos três bancos privados comprarem o BB, o poder do vencedor poderia afetar a livre concorrência. “O Banco do Brasil hoje está pronto para ser privatizado. Mas tem muita resistência política”, afirma o sócio da Tendências Consultoria, Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda nos anos 1980, e que atuou durante décadas no Banco do Brasil. “E do ponto de vista da concorrência, a privatização vai exigir uma engenharia, uma formulação que evite que se aumente a concentração bancária”, afirma.

“Se o comprador do Banco do Brasil for um dos três grandes, eu mesmo vou para a rua com faixa contra a privatização porque a concentração vai aumentar muito”, afirma o professor titular de finanças da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), Rafael Schiozer.

Chineses entre os estrangeiros

Estudiosos do assunto lembram que o histórico de bancos estrangeiros no Brasil não é de sucesso, à exceção do Santander, o que reduz a chance de que um grupo internacional entre na disputa pelo BB. O americano Citi, o português Caixa Geral de Depósitos, o espanhol BBVA, o HSBC, de Hong Kong, são alguns exemplos de operações estrangeiras que não deram certo no Brasil.

“Essa é uma questão prática importante: vai ter comprador que não seja um dos três grandes bancos privados brasileiros? Eu acho que não vai. Então acho que tem que esperar um momento em que ou o Brasil esteja mais atrativo, ou que surjam novos fortes candidatos internos”, destaca Schiozer, da FGV.

O sócio gestor da gestora de recursos Perfin, Alexandre Sabanai, concorda que os três grandes bancos privados brasileiros estariam fora do páreo por causa da concentração bancária e admite que grupos financeiros dos Estados Unidos e da Europa não devem entrar na disputa pelo histórico recente.

Mas para ele, há candidatos que poderiam disputar o BB, tanto no exterior como aqui. “Para mim, os chineses seriam candidatos fortes”, afirma Sabanai, citando dois dos maiores bancos chineses: o ICBC (Industrial & Commercial Bank of China), que tem mais de US$ 4 trilhões em ativos, e o Bank of China, com ativos acima de US$ 3 trilhões.

Segundo ele, as instituições financeiras da China têm demonstrado apetite por investimentos no Brasil, em especial nos setores de energia e agronegócio, áreas em que o Banco do Brasil tem participação relevante no crédito.

E mesmo entre bancos brasileiros, o gestor de recursos especialista em investimentos em ações enxerga concorrentes. Para ele, BTG Pactual e Safra poderiam correr por fora. “Seria um passo ousado, mas acredito que eles iriam ao menos olhar a possibilidade”, afirma.

Oposição política

Mas muito antes de encontrar comprador, a privatização do Banco do Brasil tem outros obstáculos, dizem especialistas. Como a privatização só pode ser levada adiante por aprovação de uma lei no Congresso, aí já surge o primeiro desafio.

“Não há espaço para privatização”, afirma o sócio da consultoria Tendências, Maílson da Nóbrega, que conhece muito bem a história do banco. Antes de ser ministro da Fazenda no governo José Sarney, nos anos 1980, ele foi responsável pela equipe que mudou o perfil do Banco do Brasil.

Até o fim dos anos 1970, o Banco do Brasil era muito mais que um banco – acumulava funções que hoje são do Banco Central e do Tesouro do governo. Fazia de tudo: de fiscalizar o sistema financeiro a emprestar dinheiro a outros bancos. “O BB chegou a ser o 8º maior banco do mundo nos anos 1970. Mas era um sistema inviável. A inflação começou a subir e o Brasil quebrou. Para não quebrar também, o BB teve que mudar”, lembra Maílson da Nóbrega.

As mudanças levaram décadas, diz o ex-ministro da Fazenda, em grande parte porque ao longo dos anos em que teve muito poder na economia e na política do país, o BB criou uma grande capacidade de resistir às mudanças.

Papel importante para o governo

Há ainda os que questionam a necessidade de privatizar o Banco do Brasil neste momento por causa do papel do banco em momentos de crise. “A crise de 2008 mostrou que os bancos públicos têm um papel importante para reduzir o impacto da crise na economia”, afirma o professor da FGV EAESP, Rafael Schiozer.

Ele admite que procede a preocupação com a influência política na gestão do banco. “O que é ruim”, diz. “Mas deve-se destacar o papel do banco público como agente de política contracíclica”, afirma, ou seja, quando empresta mais dinheiro justamente no momento em que outros bancos se encolhem por causa de uma crise.

O professor da FGV destaca ainda o papel do Banco do Brasil no crédito agrícola. “No mundo todo tem algum tipo de auxílio ou subsídio para agricultura. E no Brasil, parte importante dessas linhas vai para pequenos e médios produtores por meio do Banco do Brasil”, afirma Schiozer.

Governo tem outros bancos

Quem defende a privatização do Banco do Brasil destaca que o governo pode usar outros bancos para repassar linhas de crédito, como as do setor agrícola, sem ter que usar o BB. Maílson da Nóbrega, por exemplo, aponta que a participação dos bancos privados nessas linhas já aumentou bastante.

O economista e sócio da Troster & Associados, Roberto Troster, especialista em sistema bancário, destaca que o governo tem outros bancos que podem atuar. “Tem o BNDES para linhas de crédito de longo prazo, a Caixa para programas sociais, os bancos regionais BNB para atender o Nordeste e Basa para a Amazônia”, afirma o também ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).

Assim, do ponto de vista de políticas de crédito, afirma Troster, o Banco do Brasil não é essencial ao governo. “Se a gente olhar as taxas de juros praticadas pelo Banco do Brasil e pelo setor privado não vemos grandes diferenças”, diz.

Fonte: UOL

Mandato não é privatizar, mas tornar BB mais eficiente, diz Luiz Fernando Figueiredo

Publicado em: 11/04/2019


Ex-diretor do Banco Central e fundador da gestora de recursos Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo foi convidado pela equipe economia do governo para assumir a presidência do conselho de administração do Banco do Brasil.

Será a primeira vez, segundo Figueiredo, que o conselho do BB será comandado por alguém vindo do mercado. E o que isso significa na prática? Que haverá um plano para tornar o BB mais eficiente e capaz de brigar de igual para igual com os concorrentes privados – o que, diz ele, não acontece hoje.

“O Banco do Brasil tem profissionais excelentes, mas, por ser uma estatal, também tem uma série de amarras. Entra na disputa por mercado com um braço para trás, enquanto os bancos privados competem com tudo o que têm”, afirmou, durante uma palestra online exclusiva para alunos do MBA em Investimentos e Private Banking, feito pelo InfoMoney em parceria com o Ibmec.

Sem dar muitos detalhes de como será sua atuação no BB – já que ainda não foi formalizado no cargo –, Figueiredo disse que seu mandato é “ajudar, com minha experiência, a tornar o banco melhor e mais eficiente”.

É preciso privatizar o BB para isso? “O que sei sobre esse assunto é o que está público: o banco não será privatizado”, disse Figueiredo. “Meu mandato não é esse.” Ele defendeu a atuação pública da instituição, mas disse que os custos dessa atividade não precisam ser pagos pelo BB – poderiam, por exemplo, estar previstos no orçamento da União.

“Montar uma agência numa área remota da Amazônia pode não fazer sentido econômico, mas tem uma função pública, e o Banco do Brasil deve estar atento a isso. Mas os recursos poderiam vir do orçamento público”, afirmou.

Sobre a chance de haver conflito de interesse entre sua atuação como presidente da Mauá e o comando do conselho do BB, Figueiredo diz que esse problema não existe. “Sou criterioso e, antes de aceitar o convite, também consultei advogados. Não existe conflito.” Segundo ele, Mauá e BB não são concorrentes diretos e, além disso, ele não faz parte do comitê que decide onde serão investidos os recursos dos fundos da gestora.

Trilhões fora da bolsa

Durante a palestra, em que respondeu perguntas dos alunos do MBA, Figueiredo também fez uma análise sobre a situação atual do país e disse acreditar na aprovação da reforma da previdência, “o que abriria espaço para um grande avanço do país”. “Os ativos financeiros vão mudar de preço”, acrescentou.

Para o gestor, a bolsa é o mercado com o maior potencial de valorização nesse cenário. Ele lembra que, atualmente, menos de 10% do patrimônio total do setor de fundos (que beira os R$ 5 trilhões) está aplicado em ações. A média internacional é de cerca de 50%. Se o Brasil se tornar um país mais “normal”, com uma perspectiva de crescimento de longo prazo, “a migração para a bolsa tende a ser enorme”, afirma.

Figueiredo acredita ainda que o câmbio esteja “fora do lugar” – ou seja, o real está desvalorizado demais frente ao dólar. “Mesmo sem a entrada de mais capital estrangeiro, o balanço de pagamentos é superavitário. Se a reforma for aprovada, não sei quem vai comprar tudo isso de dólar”, disse ele.

Fonte: Infomoney