A Seção Cível de Direito Privado do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) deve julgar uma ação bilionária contra o Banco do Brasil ainda neste mês de abril. Os desembargadores deverão votar se rescindem um acórdão que aplicou a taxa de juros do cheque especial em uma ação indenizatória movida por um cliente contra o banco. Até o momento, o cliente, indenizado inicialmente em R$ 10 mil, pode ganhar R$ 6 bilhões por conta do cálculo baseado no cheque especial. Todo imbróglio judicial começou no dia 12 de janeiro de 2001, quando o cliente ingressou com um processo contra o banco por ter percebido um saque irregular de R$ 5 mil em sua conta corrente. Ele era correntista de uma agência em Ilhéus, no sul do estado. O cliente atribuiu ao saque falha na segurança do sistema bancário, que permitiu a invasão de “piratas da internet”.
Em primeira e segunda instância, o pedido de reparação e indenização foi julgado procedente. À época, foi aplicado o valor de R$ 5 mil por indenização por danos materiais e R$ 10 mil por danos morais. Entretanto, a sentença e o acórdão não deixavam claro qual realmente seria a base de cálculo para atualizar os valores na fase de execução. Foi aí, então, que os advogados do cliente do banco pediram que o cálculo fosse feito com base na taxa de juros do cheque especial – uma das mais altas do país. Na época, a taxa girava em torno de 12%. A ideia dos advogados era que o banco pudesse “provar do mesmo remédio amargo que faz com que seus clientes tomem”. A ação rescisória foi interposta pelo banco em 2010, contra a decisão proferida pela 3ª Câmara Cível. O relator do caso, na época, desembargador Sinésio Cabral, considerou procedente o pedido do autor para aplicação da taxa de juros. Já nesta fase, a indenização girava entorno de R$ 490 mil. Em 2009, a cifra já era superior a R$ 1 bilhão. Em abril de 2016, já eram mais de R$ 3 bilhões.
O relator, desembargador Lidivaldo Britto, julgou o pedido do Banco do Brasil procedente e foi acompanhado pelos desembargadores José Olegário, João Augusto e Emílio Salomão. De acordo com Britto, na época da execução, em que o cliente afirmava que o crédito era de R$ 492,5 mil, os cálculos do banco apontavam que o valor devido era de R$ 27,3 mil. O desembargador Raimundo Cafezeiro votou pela extinção do processo. No dia 16 de março deste ano, a desembargadora Gardênia Duarte pediu vista.
O Ministério Público da Bahia (MP-BA), em um parecer, se manifestou pela procedência da ação sobre o critério de atualização da indenização por danos morais e defendeu que, no juízo rescisório, reconheça-se o excesso e determine-se a atualização dos valores da condenação. “Com efeito, constata-se que o acordão impugnado incorreu em equivoco ao manter a atualização através de juros contratuais para os danos materiais, pois na sentença da ação de conhecimento, já transitada em julgado, o critério, reconhecida a relação de natureza extracontratual, reside nos juros legais”, diz trecho do parecer.Segundo o Banco do Brasil, na petição, a ação busca restaurar “a segurança jurídica” e alega que a sentença “não especificou os encargos moratórios, situação que na opinião do autor leva à aplicação dos juros legais”.
O cliente do banco, por sua vez, diz que não houve violação literal ao dispositivo da lei, pois o acórdão “está fundamentado em precedentes jurisprudenciais” e que, se a decisão for reformada, gerará “a perda da confiança e descredito do jurisdicionado na própria instituição judiciária por esta não preservar a autoridade das decisões consolidadas pelos efeitos da coisa julgada”. Em 2016, o lucro do Banco do Brasil foi de aproximadamente R$ 8 bilhões. Com o valor da indenização, seria possível construir uma ponte entre Salvador e Itaparica, orçada pelo governo do Estado, em 2014, em R$ 6 bilhões.
Liberação de voto-vista: a ação suspensa desde outubro do ano passado, quando o desembargador Sérgio Cafezeiro pediu vista. No último dia 16 de março, Cafezeiro liberou o voto-vista do processo e destacou trechos do acórdão da 3ª Turma, em que era dito que “quanto ao dano material, os bancos devem experimentar as mesmas incidências capitais que os consumidores sofrem”. Também considerou que é direito do titular de contrato de abertura de crédito obter a restituição de valores indevidamente retirado por terceiros, por falta de segurança da instituição financeira. “Ora, está sobejamente provado que o apelante demonstrou total insegurança em seu sistema de banco de dados, realizando uma má prestação do serviço, e, por isso, entendo que o banco/apelante deve restituir o apelado nos moldes que onera o consumidor, caso este estivesse sendo executado ou cobrado por débito existente na conta corrente, experimentando o mesmo dissabor”, destacou.
“Se, em contrato de cheque especial pactuado à taxa de 11,21% ao mês, a instituição financeira cobrou valor de seu correntista indevidamente, deverá restitui-lo acrescido da mesma taxa, isto é, 11,21% ao mês, porquanto há um vínculo contratual entre as partes, já que é correntista do banco apelante”, recorta de outro trecho do acórdão questionado. “A conduta dos bancos (instituições financeiras) sempre se direciona no sentido de priorizar seus lucros em detrimento da segurança do contrato celebrado como cliente. Vivenciamos isso diariamente nesta Corte e o Poder Judiciário não deve conceder guarida a esse comportamento descompromissado com a lei, perpetrado, de forma maçante e reiterada, pelas instituições financeiras. Deve se proteger o único prejudicado desta lide, que é o consumidor”, diz em seu próprio voto. Para Cafezeiro, o “prestador de serviços tem o dever de indenizar o usuário/cliente pelos danos ocorridos, em razão de efeitos relativos à prestação, independemente de culpa”. O voto-vistor ainda disse que admitir ação rescisória seria uma “desobediência” ao Código de Defesa do Consumidor e que o Banco do Brasil não apresentou provas de que a lei foi aplicada de forma controvertida.
Fonte: BN Justiça