O mercado de seguros tem passado por uma série de dificuldades nos últimos anos. Além de ter que desenvolver formas de acompanhar mudanças como a economia colaborativa, as empresas vêm buscando cada vez mais alternativas tecnológicas para desenvolver produtos personalizados para os clientes. A espanhola Mapfre, que opera no Brasil há 25 anos, tem investido para não ficar para trás nessas transformações.
Wilson Toneto, presidente da companhia, admite que ainda há muitos obstáculos. O executivo cita como exemplo o desafio de precificar o seguro para carros usados por aplicativos como o Uber e imóveis cadastrados em serviços como o Airbnb, usados para hospedar pessoas. “Ainda não temos produtos para esses casos, mas já os estamos desenvolvendo”, diz.
Esse não é o único desafio para a Mapfre e outras seguradoras que atuam no Brasil. A violência crescente em muitas regiões do país também tem influenciado no dia a dia dos negócios. Com o risco maior, também aumentam os custos dessas empresas, que são repassados ao consumidor. Paralelamente a todos esses fatores externos, a seguradora espanhola enfrenta um desafio interno.
No mês passado, a Mapfre e o Banco do Brasil anunciaram mudanças na parceria anunciada há sete anos. “Nós não nos separamos”, garante Toneto. Em entrevista ao Correio, o executivo revela como tem enfrentado os avanços tecnológicos e fala de seu interesse pela baixa renda, que ainda consome poucos produtos ligados ao mercado de seguros.
A Mapfre anunciou mudanças na parceria com o Banco do Brasil? Houve rompimento?
Não, nós não estamos separados. Antes da parceria, há sete anos, cada uma comercializava seus produtos por intermédio de suas diferentes empresas. Com a reorganização, o BB deixou de vender seus produtos apenas para seus clientes e foi criado o Grupo Segurador BBMapfre. Fizemos uma divisão por tipo de negócio e a Mapfre comprou o direito de vender alguns produtos do BB.
O que aconteceu agora, veio a crise dos sete anos?
Não, as necessidades de capitais são diferentes de sete anos atrás, por isso fizemos uma reorganização, sentamos para discutir as relações. O BB decidiu que vai dar mais foco ao canal bancário. Agora, o Cade e a Susep terão de avaliar a proposta de mudança societária que fizemos para comprar algumas dessas operações e administrá-las sozinhos. Se a proposta for aprovada, ainda teremos participação nos contratos fechados pelo BB nas áreas de vida, seguro rural, habitacional e massificados (como produtos para PMEs).
E nas outras áreas?
Já nas áreas de auto, grandes riscos e seguros gerais, passaremos a ter 100% de participação. Também estamos recomprando todos os canais que antes eram só da Mapfre e que tinham a participação dividida depois do acordo. Aumentamos nossa participação no Brasil, não rompemos o contrato. Não posso revelar valores sobre quanto deverá ser pago por essa participação, mas esse será um dos anos de maior investimento da Mapfre no país.
Como é possível planejar o reaquecimento do mercado de seguros, mesmo com a economia do Brasil andando em ritmo tão lento?
O cenário não é o ideal. O mercado de seguros tem uma dependência muito grande da pujança econômica, da melhora da estratificação social, da retomada de vários setores, dos incentivos. Em um momento adverso, o setor também sofre. Mas esse é um mercado muito resiliente.
O senhor poderia dar um exemplo?
No ano passado, o crescimento (do setor) foi de 4%. Alguns negócios crescem mais do que os outros. A indústria automobilística, que vinha crescendo muito nos últimos anos, quando começou a recuar, afetou as vendas de seguros para autos. Com o aumento do desemprego, sentimos a queda nos contratos de seguros de vida pelas empresas para seus funcionários. Mas haverá uma recuperação aos poucos. No segmento de carros, temos uma frota segurada de cerca de 17,5 milhões veículos, o que equivale a cerca de 30% do total. Recentemente, saiu uma resolução sobre o seguro popular para automóveis. Olha a oportunidade que temos de expandir. Mas o grande desafio talvez seja atingir esse público que demanda produtos mais simplificados, com maior restrição de cobertura, mas necessário.
A Mapfre já dispõe desse produto para atender ao público que pode ser beneficiado pela resolução?
A resolução saiu no fim do ano, então todo o mercado está se preparando para isso. Nos próximos meses, sairá um produto mais competitivo para automóveis, com coberturas mais adequadas à necessidade desse público. A estimativa do mercado é de que custe 20% a menos do que os produtos tradicionais.
Não pode haver uma migração do consumidor que já tem seguro para o produto mais básico?
Os produtos massificados, vinculados a um nível socioeconômico mais baixo, vêm a somar, não prejudicam o mercado atual. Não haverá migração, mas a entrada de novos consumidores. Garantimos a fidelidade dos clientes que já têm os seguros mais abrangentes com tecnologia e serviços. Temos clientes que necessitam de produtos mais estruturados e estão dispostos a pagar por isso.
É assim apenas com os seguros para carros?
Não só no seguro de automóvel, mas no de vida, na previdência. Esse é um desafio para todos, se adequar e oferecer novos produtos para novos consumidores. E a tecnologia tem um papel importante. Hoje, ao acionar um serviço de guincho, 90% do trâmite é feito por meio remoto, automatizado, com aplicativo. É o tipo de tecnologia embarcada que dá uma percepção melhor ao cliente e traz redução de custo para a seguradora. Antes era preciso ter uma estrutura construída para fazer o mesmo atendimento que hoje é feito de forma mais enxuta.
Houve um esforço maior da Mapfre em desenvolver soluções tecnológicas por conta da crise econômica?
Não, as soluções melhoram o ambiente de negócio em uma situação de crise em que vivemos, mas o desenvolvimento tecnológico vai além disso. Para a Mapfre, esse é um tema global, com a preocupação de se adequar às novas formas de consumo. Por exemplo, temos hoje o carro autônomo como uma realidade próxima. Temos também a economia compartilhada. Isso tudo leva a desafios sobre como vamos atender a essa nova necessidade. A forma de fazer e de precificar o seguro é diferente.
O seguro para carros compartilhados já é oferecido no Brasil?
Ainda de forma muito embrionária, porque esse mercado ainda é pequeno no país. No momento, estamos desenvolvendo tecnologias que permitam melhorar o atendimento e precificar de forma mais justa esse tipo de seguro. Por exemplo, como precificar um veículo do Uber? Hoje eu não sei, hoje estamos em fase de testes. Vendo o seguro para você como se fosse um veículo para uso tradicional sem saber que ele é motorista do Uber.
Como atender a esse mercado de economia compartilhada? Como oferecer um seguro para uma casa que faz parte, por exemplo, do Airbnb?
O que acontece é que, quando o risco é maior, a coletividade paga. O grande desafio é identificar essa informação e precificar para esse tipo de situação. O mercado traz as inovações e o nosso desafio é correr atrás para o desenvolvimento de produtos. Da mesma forma, estamos nos adaptando a outras mudanças, como o fato de a expectativa de vida hoje ser maior, para saber como isso vai afetar produtos como a previdência privada, o seguro de vida e o seguro-saúde.
Essas mudanças de comportamento do mercado e a entrada de novas tecnologias são muito desafiadoras para as seguradoras?
A preocupação é constante para acompanhar essas inovações, porque os riscos vão mudando e os nossos serviços têm de mudar junto. Hoje, os produtos têm uma durabilidade maior e contam com muito mais tecnologia embarcada. Com essas informações, há a possibilidade de monitorar os hábitos de condução de um carro, como os quilômetros rodados em um ano, a agressividade nas frenagens e se o veículo anda na velocidade regulamentar. Com a transmissão desses dados para o meu sistema, consigo fazer um produto sob medida para o dono do veículo. Isso só não está no Brasil porque nem todos os carros têm essa tecnologia embarcada e a instalação dessa tecnologia, ainda que esteja barateando, ainda é algo caro.
Isso pode chegar a outros tipos de seguro?
Sim. Imagine no seguro de vida, se eu levasse em consideração informações do tipo se o cliente fuma, se tem sobrepeso, hipertensão, diabetes e é sedentário. Por outro lado, tenho um segurado com menos fatores de risco. Se eu conheço o consumidor, posso precificar de forma mais eficiente. Hoje já temos um seguro de vida no Brasil voltado a capitais elevados, a partir de R$ 1 milhão até R$ 15 milhões, em que eu peço ao segurado uma série de exames prévios para definir o valor ideal. Se tiver determinados hábitos e determinados resultados nos exames, o preço é definido pelo risco que você tem. Isso é justiça.
Mas e a população de menor poder aquisitivo, que muitas vezes não tem certos cuidados com a saúde por falta de recursos? Ela vai pagar mais dentro dessa lógica?
São produtos diferentes para clientes diferentes. Cada um tem determinadas necessidades. Isso acontece em um seguro de alto valor porque o risco é grande e há um consumidor que demanda esse produto. Mas o indivíduo de baixa renda muitas vezes precisa de um seguro para cobertura de acidente, que é barato, de seguro de vida em um valor bem menor, então não preciso dar a ele um produto de alta complexidade.
A Mapfre está mais de olho na alta renda ou na baixa renda?
O melhor é que haja uma melhora na economia, e consequentemente na estratificação social, que reflita na procura por produtos de maior abrangência. Mas é fato que a população com maior poder aquisitivo proporciona uma gama de serviço maior.
Como os casos de violência, como temos visto em estados como Rio Grande do Norte, Ceará e Rio de Janeiro, têm refletido no mercado de seguros?
Impactam bastante. A violência é um fator importante dentro da composição do preço dos seguros. Toda vez que há mais roubo, há mais custo para a seguradora e, em um segundo momento, um aumento de preço. O mercado como um todo sofreu com essas intercorrências, não só no mercado de transporte, mas também no roubo de carros e de residências.
Os números da Mapfre no Brasil
» Cerca de 19 mil corretores
» 100 sucursais
» 6 mil colaboradores
» 15,8% de participação no mercado de seguros nos ramos de riscos
» 74,2% de participação no mercado de seguros rurais
» 11,8% de participação no mercado de automóveis
Fonte: Correio Braziliense